Revista Rua


Sujeitos e sentidos no espaço urbano: o escrito "dá o ar da sua graça"
(Subject and meanings in urban space: writing shows up)

Aline Torrizella Périgo, Juliano Ricci Jacopini, Noemi Lemes, Soraya Maria Romano Pacífico, Lucília Maria Sousa Romão

ser outro”. Todavia, essa relação com a linguagem não sustenta o discurso pedagógico e, com isso, os sujeitos passam a (não)ler fora da escola baseados nos mesmos moldes, o que afeta a constituição da subjetividade em todos os espaços, não só no espaço escolar, mas também no espaço urbano.
Essas questões nos trazem à memória o conto de Guimarães Rosa, intitulado Famigerado, no qual semelhante situação acontece com um dos personagens quando o mesmo depara-se com uma palavra cujo significado ele desconhece e, diante disso, o valente e temido jagunço sente-se impotente, desorientado, o que lhe faz ir à procura de alguém que possa explicar-lhe o significado da palavra “famigerado”. Extraímos do texto de Rosa o seguinte recorte:
 
— “Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado...faz-megerado... falmisgeraldo...familhas-gerado...?”(...)
— “Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?”(...)
— “Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?”(...)
— “Pois...e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?” (ROSA, 1988: 15)
 
 Percebe-se, neste recorte, como o personagem literário, embora muito temido por se tratar de um conhecido matador da região, sente-se frágil e incapaz diante daquela palavra desconhecida e como ele busca alguém que consiga “traduzir” essa palavra para a sua linguagem, que ela chama de “linguagem de em dia de semana”, ou seja, para uma variante lingüística que seja do seu domínio. É como se “famigerado” fosse um termo usado apenas por quem conhece uma possível “linguagem de final de semana”, uma linguagem especial, mais rica e, portanto, mais válida e que, ao mesmo tempo, funcionasse como um divisor de águas. Ou seja, todo o poderio do homem temido e forte desmorona-se diante de uma simples palavra, produzindo efeito de fragilidade e de desconforto como se o fato de não a saber fosse sinal de uma interdição irreparável. A palavra desconhecida cria, assim, um efeito de corte e de ruptura