Revista Rua


Sujeitos e sentidos no espaço urbano: o escrito "dá o ar da sua graça"
(Subject and meanings in urban space: writing shows up)

Aline Torrizella Périgo, Juliano Ricci Jacopini, Noemi Lemes, Soraya Maria Romano Pacífico, Lucília Maria Sousa Romão

não pode ser esquecido, pois, afinal de contas, a ideologia dominante faz parecer natural que só os que têm alto grau de escolaridade têm direito ao saber, a uma participação social efetiva, a participar da narrativa urbana.
 Diante do supostamente inatingível e discursivamente interditado gesto de interpretação, observamos que os sentidos sobre o sorvete deslizam para uma outra região de sentidos, fazendo falar algo como “negócio de religião”. A nosso ver, tal interpretação sustenta-se no uso do significante “graça”, posto que, atualmente, tal significante tem sido recorrente no discurso midiático ao falar sobre determinadas igrejas evangélicas e também pelos portas-vozes de tais instituições religiosas. Partindo do princípio de que a mídia atinge a um grande público e que, hoje, a televisão apresenta muitos programas evangélicos, os quais recorrem amiúde ao significante “graça”, pois este parece capturar os telespectadores, entendemos que a marca lingüística “graça”, nesta propaganda, levou o sujeito para essa região dos sentidos como se ela fosse a única possível de dizer. Não devemos desprezar, também, a existência de tantas igrejas da graça espalhadas pelas cidades, principalmente nos bairros mais pobres e carentes, pelos quais, talvez, o sujeito circule; daí, a identificação e a interpretação da formulação como “Negócio de religião, né?” Todavia, a pergunta “né?” indicia a incerteza do sujeito, sua dúvida e desconfiança como a do personagem diante da palavra “famigerado”. A negativa “não é?” discursiviza a pergunta que aguarda a confirmação dos pesquisadores, tal qual fazem os alunos nos bancos escolares ao perguntarem para os professores: “Está certo?” Com base na análise dos recortes que tocam na questão da escolaridade, podemos dizer que a escola pode ser considerada uma instituição interpretada como grande divisora da sociedade, já que, de um lado, ficam aqueles privilegiados, que puderam adquirir o conhecimento por terem-na freqüentado e, de outro, aqueles que “nada sabem”, pois não tiveram a oportunidade de estudar, como se essa fosse a única forma de obter o saber e como se o saber escolar fosse o único válido. Segundo Garcia (2008: 14-15):
 
Teria sido criada a falsa idéia de que só existe um conhecimento válido, e este conhecimento seria o adquirido na escola. Ora, se o discurso da escola é de que a ela caberia a socialização do conhecimento, isto significaria que na escola estaria guardado o conhecimento, e tudo que não fosse aprendido na escola, não teria valor. Tudo o que não fosse aprendido na escola seria não-conhecimento. Logo, aqueles e aquelas que portassem um outro tipo de conhecimento, adquirido no cotidiano de suas