Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

ambientes e por todos os gaúchos. Da mesma forma, a relação dos indivíduos com os bens culturais não é uniforme, já que dos inúmeros contatos culturais que se efetivam entre os grupos humanos resultam diferentes identificações. E a identificação, segundo Mühler e Opp (2006, p.18), significa tanto considerar-se pertencente a um grupo de pessoas, quanto conectar-se a um objeto por razões emocionais. A identidade do indivíduo resulta dessas identificações construídas no tempo e no espaço, na interação com diferentes pessoas e objetos. As identificações podem ser, em razão disso, temporárias, flutuantes e flexíveis, e não monolíticas, rígidas e eternas.
A reflexão efetuada até aqui contribui, em certo sentido, para sistematizar as impressões que tive sobre o contexto gastronômico de Berlim e Brandenburgo, no que concerne à configuração de uma região cultural. Mas a especificidade culinária é apenas a ponta visível do iceberg, o princípio do fio de Ariadne que se perde pelas gerais de concreto e asfalto, que adentra parques e museus, que frequenta lojas e supermercados, que se movimenta junto com trens e ônibus, que se instala nas casas e apartamentos, que se acomoda no fundo das panelas ou nas sistematizadas latas de lixo... O que quero dizer é que uma região cultural é composta por especificidades (assim, no plural) materiais e imateriais – regionalidades que armam um tecido complexo e flexível, o qual se mostra sempre outro a cada novo olhar.
Embora Haesbert tenha definido a regionalidade, num sentido lato, como “propriedade ou qualidade de ‘ser’ regional”, que “envolveria a criação concomitante da ‘realidade’ e das representações regionais” (2010, p. 8), penso que existam, em sentido estrito, regionalidades, ou seja, múltiplas propriedades ou qualidades de ser regionais em uma única região. A ideia de regionalidade no singular dá a impressão de existir um bloco homogêneo, quando, na realidade, regionalidades díspares e conflitantes coabitam em um único espaço social, as quais levam a identificações divergentes. Há uma luta constante no campo das representações simbólicas, com a eliminação e a criação de novas fronteiras regionais, fruto das manifestações de autoafirmação das regionalidades. Dessa forma, existe um modo de ser regional não em forma de bloco compacto e coeso, mas cheio de fissuras e imperfeições.
É provável que a ideia de unidade e de ausência de conflitos, contradições e superposições, bem como de um certo grau de homogeneidade, propostos, por exemplo, por Pedro Luis Barcia (2004, p. 37) como “los elementos constitutivos de una regió