Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

projeções, no espaço, das noções de autonomia, soberania e direitos, bem como das suas representações;
3     Que a Geografia foi desde sempre o campo privilegiado dessas discussões, ao abrigar a região como um de seus conceitos-chave, promovendo uma reflexão sistemática sobre o tema.
Foi, pois, a Geografia que muito cedo reclamou para si a preferência pela mão da Filha do Rei, por que com ela os geógrafos poderiam, tal qual as majestades antigas, delimitar os seus domínios e o seu território de ação: etimologicamente, “a palavra regio deriva de rex, a autoridade que, por decreto, podia circunscrever as fronteiras: regere fines” (POZENATO, 2001). O que quero dizer é que os autores das mais diferentes disciplinas (e a Geografia tem pioneirismo) podem requisitar o termo e ajustá-lo aos seus propósitos na compreensão espacial de um determinado fenômeno. É assim, apenas a título de exemplo, com disciplinas das áreas da Culinarística, do Turismo, da História, da Arquitetura e dos Estudos Literários. E não haveria de ser diferente, já que, segundo Haesbert, a região existe como “arte-fato”, ou seja, “ao mesmo tempo como criação, autofazer-se (‘arte’) e como construção já produzida e articulada (‘fato’)” (2010, p. 7).
A noção de “arte-fato” torna compreensível, por conseguinte, que determinadas instituições e empresas delimitem sua origem e atuação a espaços regionais, tomando-os no sentido de construções já produzidas, existentes, e ao mesmo tempo assumindo a tarefa de serem também suas construtoras e divulgadoras. E é assim com dois exemplos que me ocorrem de passagem: o primeiro deles, o maior veículo de comunicação impresso da cidade de Caxias do Sul, tem como missão ser o “Diário de integração regional da Serra Gaúcha”; o segundo, relacionado ao universo vitivinícola, traz estampada nos rótulos a sua região de origem: “Serra Gaúcha”. Em ambos os casos, é nítida a marcação regional serrano-gaúcha, porém a sua atuação e alcance são de naturezas diversas: o jornal se compõe de matéria-prima regional (a notícia), para ser consumido pelo público da região, o qual é conclamado a gravitar em torno dele e a se integrar à regionalidade serrana; já o vinho, mesmo igualmente constituído por matéria-prima regional (a uva), busca um público consumidor situado além das fronteiras regionais, o qual é convidado apenas (?) a se identificar com a regionalidade serrana.
Não há duvidas de que os dois exemplos são manifestações regionalistas – porque programáticos e paradigmáticos (cf. STÜBEN, 2002, p. 59) –, mas eles se movem e são movidos por forças diferentes: o jornal é marcado por certa potência centrípeta (o que acontece na região converge até ele, sendo aglutinado, filtrado e