Começo estas reflexões após deambular um mês inteiro pelas ruas de Berlim, capital da Alemanha reunificada. Estive em museus, mercados, farmácias, shoppings, restaurantes, galerias, monumentos históricos; andei de ônibus, trem, bonde, bicicleta; investi muita sola caminhando por becos e ruelas aonde não consegue chegar o transporte público. Gastei horas sentado em praças e cafés, tentando decifrar as engrenagens que sincronizam esta metrópole habitada por 3,4 milhões de indivíduos. Lamentei inúmeras vezes não ter formação etnográfica para registrar com objetividade o que os sentidos captavam; falta-me o senso de um método capaz de ordenar essa enxurrada de sensações. Tirei centenas de fotos. Fiz anotações em cadernetas e no verso de bilhetes de passagem e de cupons fiscais. Mas este material tem a perplexidade linguística de quem passou a juventude escrevendo versos e lendo romances. Creio que há um excesso de subjetividade em tudo o que registrei: diante do Portão de Brandenburgo, por exemplo, equilibrado no traço deixado pelo antigo muro, fui tomado por uma melancolia insensata, por que me vieram à tona imagens fragmentadas que reuni em museus, documentários e cartões postais: vi soldados, mulheres, crianças, cinzas; vi trens noturnos cruzando o Portão e partindo para Auschwitz... Como registrar este misto de sensações subjetivas e percepções objetivas para que possa ser útil aos estudos literários, esta área do conhecimento que costuma se autoproclamar científica e reúne milhares de pessoas em congressos como o da Anpoll ou da Abralic?
Posso dizer que tive a sorte de me acomodar, com a família, em um pequeno apartamento, às margens do Spree, rio que serpeia pela cidade e nesta época do ano passa a maior parte do tempo coberto por impecável camada de gelo, contrariando a navegação humana e o deslocamento de milhares de patos silvestres. A menos de cinco minutos a pé, encontra-se tudo de que uma pessoa precisa para viver: farmácias, mercados, tabacarias, padarias, bares, escolas, parques, restaurantes (tudo no plural). Há inclusive recursos espirituais – como as igrejas evangélica, católica e cientológica – e intelectuais – como a Biblioteca Pública Charlottenburg-Wilmersdorf, o campus da Universidade Técnica de Berlim, escolas públicas e algumas livrarias.
Quanto aos restaurantes e lancherias, num raio de um quilômetro para cada um dos lados da rosa dos ventos, ocorre-me ter visto especialidades chinesas, portuguesas, francesas, turcas, asiáticas, vietnamitas, italianas, tailandesas, indianas, gregas... E em uma sala comercial do prédio em que estou morando, um restaurante (o Zum schwartzen Kater) serve, entre outras especialidades, o tradicional Eisbein com generosos copos de cerveja. Com os mesmos olhos com que me detenho nos cardápios expostos na rua,