Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

temperavam a mesa das abastadas famílias europeias (TSCHOFEN, 2010, p.40). Além disso, segundo Tschofen, as regiões não “podem ser compreendidas como ordens estabelecidas. Elas são muito mais produtos sócio-espaciais transformados historicamente, que às vezes possuem contornos muito fluentes e, acima de tudo, surgidos recentemente.” (2010, p.29) A relação entre um produto cultural e um espaço regional não é, portanto, estável, porque se encontra continuamente à mercê de forças históricas que modificam sua aparência e sua essência, sua ação e suas fronteiras. Nenhuma região, nem mesmo uma região natural, possui limites precisos ou inamomíveis.
Em razão desses fatos, é pertinente afirmar que um determinado produto cultural é antes originário de uma região, do que circunscrito apenas a ela. E se ele guarda traços de regionalidade em sua denominação (a linguiça branca de Munique), isso resulta do trabalho humano de localizar espacialmente as suas criações e, no caso dos restaurantes citados há pouco, uma forma de identificar e diferenciar o alimento oferecido ao consumidor, indicando-lhe inclusive um suposto paladar de origem. Todavia, utilizando o rótulo das respectivas nacionalidades, os estabelecimentos não fazem menção a regiões específicas dos países de origem, dando a impressão de que se oferecem iguarias essencialmente nacionais. Também não vejo pratos elaborados com ingredientes denominados exóticos, como centopeias, cobras, grilos, bichos-da-seda – no caso da culinária chinesa. Tudo obedece a um paladar que se poderia caracterizar, de forma genérica, como globalizado.
Faço uma rápida viagem: no porto de Gênova, embarco num velho vapor, atravesso o Atlântico e desembarco na Serra Gaúcha. Aí, percebo que os restaurantes e lancherias anunciam, via de regra, uma nacionalidade que não é a brasileira. Trata-se de uma gastronomia rotulada como “tipicamente” italiana, repleta de pratos derivados de farináceos e aves, mas que igualmente não denominam regiões específicas da Itália, onde possam ter sido criados. Fenômeno recente, impulsionado pela indústria do turismo e pela urbanização, o alimento do colono imigrante, pleno de calorias e amido, é oferecido aos visitantes como iguaria exótica. Mas a predominância desse tipo de estabelecimento, que nacionaliza, como italianos, produtos culturais que podem ser regionais na sua origem, contribui para regionalizar um espaço social dentro do território brasileiro. Deduz-se, em outros termos, que a gastronomia tem papel fundamental na constituição de uma região cultural, imprimindo-lhe certa especificidade que a distingue dentro de um contexto cultural mais amplo.