Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

furtivamente espio pelos vidros e me arrisco a dizer que existe um espírito de integração gastronômica reinando no interior destes estabelecimentos...
Quem entra num supermercado também percebe a diversidade de produtos que ocupa as prateleiras. Obviamente, a União Europeia tem aí a hegemonia mercadológica, mas muitas outras nacionalidades encontram-se representadas. O balcão dos queijos, por exemplo, salta aos olhos e, junto com a seção de verduras e legumes, onde cada produto tem sua nacionalidade destacada, por pouco não compõe um croqui do mapa múndi. No balcão dos fiambres, interessei-me por uma linguiça branca e indaguei acerca do seu conteúdo e preparo. Com solicitude, a balconista conduziu-me pelo mercado a fim de reunir os demais ingredientes necessários ao preparo: tratava-se de uma linguiça de carne suína, muito apreciada em Munique, que deveria ser brevemente cozida a 40º e servida com mostarda doce e pretzel. Mas, temeroso de ingerir carne suína mal-cozida, fervi demais o embutido e ele se rompeu de uma extremidade à outra... Uma calamidade óptica! Confesso que percebi nesse prato, que comi com um tanto de alegria e outro tanto de decepção, um sabor que eu definiria como transregional-industrializado, o qual se sobressaiu a minha ignorância acerca do saber culinário regional. Jamais se ferve demais uma linguiça branca de Munique!
Ou sim, porque Bernhard Tschofen, em texto sobre culinarística e cozinha regional, afirma que “o discurso sobre uma cozinha regional sugere uma incidência quase que naturalmente de espaço e gosto, que com certeza não existe” (2010, p.28). Isso significa dizer, portanto, que o prato muniquense não é estável em sabor e preparo. A formação de gosto e a informação de não consumir carne crua, construídas dentro de um contexto sócio-cultural específico, podem levar a exceder o tempo de cozimento, modificando, assim, o sabor e a textura da linguiça. Mas, nessas condições, o prato deixa de ser muniquense? Ou aí se corrobora a opinião de Tschofen, de que a incidência entre espaço e gosto não existe? Ou já não se trata mais de uma iguaria muniquense, por ter sido confeccionada inteiramente em Berlim, com exceção apenas da mostarda, de fabricação bávara? Ou o saber fazer é que seria regional e não o produto em si?
Creio que se deva, antes de mais nada, relativizar a propalada autenticidade dos produtos culturais regionais, especialmente nestes tempos globalizados, em que eles cada vez mais cruzam as fronteiras físicas para se instalarem repletos de conservantes na mercearia da esquina. Mas também não se deveria dizer que antigamente determinados pratos típicos fossem mais regionalizados que hoje, já que podemos remontar ao tempo das grandes navegações para encontrar as especiarias orientais que