Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

Aqui na capital alemã, os restaurantes que anunciam outras nacionalidades multiplicam-se pelo espaço urbano e concorrem com os pratos da antiga gastronomia da região de Berlim e Brandenburgo. Todavia, essa multiplicidade, antes de descaracterizá-la, constitui um traço marcante da sua atual especificidade. Isso por que uma região cultural não se configura apenas pela conservação de tradições ancestrais ou o cultivo de valores étnicos, históricos, religiosos, linguísticos, nativos... Ela pode ser, ao contrário, aberta à diversidade e à renovação de valores, sem que isso a descaracterize. Conforme Humberto Félix Berumen, uma região sócio-cultural
(...)se reconoce a partir del conjunto de valores compartidos por los habitantes de un mismo territorio; por las formas de vida cotidiana que identificam a una comunidad y la distinguen de las demás; por la existencia de un passado histórico común; y, en fin, por todo aquello que da cuenta de la existencia de una identidad cultural y que se traduce en actitudes, tradiciones, costumbres, símbolos y creencias que son comunes a un grupo humano (BERUMEN, 2005, p. 56).
 
Essa forma de ver a região cultural descarta sumariamente características físicas ou geográficas, enfatizando elementos de natureza humana, resultantes da sua ação temporal sobre o espaço. As fronteiras regionais, embora difíceis de serem precisadas, localizam-se no ponto em que um conjunto de valores começa a se diluir e a dar lugar a outro conjunto de valores culturais. A fronteira não sugere, porém, hermetismo cultural, já que estamos tratando de elementos perfeitamente tangíveis, desde sempre sujeitos à transformação dos seus significados e à mobilidade espacial. Uma fronteira pode ser espaço de troca, cruzamento, encontro, interação, conflito, distinção, sobreposição, interseção, mistura – em suma, palco de encontros culturais (cf. BURKE, 2003).
No que tange à referida gastronomia berlinense – definida por um sítio eletrônico como “colorida e variada em razão da presença de um grande número de imigrantes do mundo inteiro” [1] –, é ainda possível afirmar que ela constitui um ponto de referência no espectro cultural da região, atuando como elemento de identificação e diferenciação de um grupo humano em torno de suas crenças, tradições, costumes, atitudes e símbolos? Creio que sim, por que as identidades não são uniformes, monofônicas e monocromáticas. De acordo com Stuart Hall, elas são contraditórias, deslocam-se e multiplicam-se continuamente:
A identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2003, p. 13).


[1] http://www.berlin-reise-dienst.de/Kochkurs.htm. Acesso em 08 de abril de 2011.