Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

Se forem levadas em conta as posições assumidas nos dois exemplos, vê-se, inicialmente, que uma parece complementar a outra no que tange à exaltação dos principais atributos serranos: as oportunidades de trabalho, a fartura alimentar, a paisagem exuberante e a descendência italiana. Entretanto, os discursos conflituam, por que cada um requer para si a excelência das virtudes regionais: o primeiro assume a posição de “pólo centralizador da região mais diversificada do Brasil”; o segundo, a de “um dos mais belos e importantes roteiros turísticos da Serra Gaúcha”. E como nenhum faz menção explícita ao outro, mas apenas à região em si, deduz-se que esta gravita em torno daquele que se autoproclamar como o “centro”.
A configuração de regiões culturais baseada em noções de unidade e homogeneidade precisa, portanto, ser relativizada. O que existe, inclusive nas regionalidades regionalistas, é um ecumenismo de fachada, que esconde e reprime as vozes dissidentes ou dissimula as constantes disputas pela ocupação simbólica do espaço. Assim se manifesta, também, a culinária regional berlinense, com seus milhares de restaurantes e lancherias oferecendo pratos “transbordados” (SCHEICHL, 1993) de espaços suprarregionais e supranacionais. Mesmo sendo originários das recentes migrações humanas – impulsionadas por confrontos bélicos, pela pobreza material nos países de origem e pela opressão de estados autoritários –, disputam e reclamam para si a autenticidade da região (ou nação) de origem e a centralidade na região em que atuam.
Em suma, regiões culturais não existem por capricho do acaso. Elas são produto (e também propulsoras) do trabalho humano de delimitar e significar espaços sociais. Regiões surgem da inte(g)ração, harmoniosa ou não, entre indivíduos e grupos, que constroem “modelos identitários” capazes de “identificar um determinado contexto local com ‘seus’ cidadãos e ‘sua’ cultura, com uma benvinda ‘unidade’ regionalmente professada” (JOACHIMSTHALER, 2009, p. 28). E os modelos identitários estruturam-se sobre regionalidades ou especificidades culturais, que, num processo dialético contínuo, conformam sempre novas regiões.
Regionalidades também podem ser tomadas como índices das fronteiras culturais que se movem no tempo e no espaço. Enquanto especificidades, elas levam os indivíduos a aceitar ou a rejeitar os valores vigentes em uma escala regional. Em outros termos, ao habitar uma região, é possível identificar-se positivamente com algumas regionalidades e, ao mesmo tempo, entrar em conflito com outras. Regionalidade