Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

No contexto de uma cultura regional que se multiplica ad continuum e cujo índice mais visível aos olhos encontra-se nos letreiros luminosos dos mais de 7.000 restaurantes, lanchonetes e bares, os elementos nativos não desaparecem por completo. Ao contrário, parecem encontrar justamente na ampla diversidade a sua razão para existir. Uma região que veste a camisa de força da tradição, que se autoimpõe a pureza genética dos valores, que ergue intransponíveis diques ou fossos, que se contempla narcisisticamente no espelho das suas próprias criações, tende, se não à estagnação e ao afogamento, pelo menos ao exotismo folclórico e à caricatura. A profilaxia das identidades regionais pregada e intentada por determinados grupos hegemônicos pode resultar em identidades endogênicas, monolíticas e xenofóbicas, que vivem do passado mítico e enclausuradas em cavernas platônicas.
Uma tese interessante acerca da diversidade regional é a da “condensação cultural”, proposta por Joachimsthaler em seu estudo sobre a literarização das regiões e a regionalização das literaturas:

Uma região é, portanto, ‘simplesmente’ uma condensação de espaco cultural (mais de uma pode se sobrepor em um só local) usada por indivíduos como motivo para a construção de identidades regionais, no que elas [as condensações] atribuem um sentido para a identificação de caráter identitário aos espaços. As identidades sobrepostas não se excluem umas as outras: elas são possíveis simultaneamente, mesmo com suas diferenças, pois, por princípio, as identidades regionais não seguem o princípio de exclusão das identidades nacionais (2009, p. 40-41)
      
Dentro dessa perspectiva, o acervo cultural de uma região se constitui historicamente, condensando, sobrepondo e reorganizando elementos novos e antigos. Daí ser possível localizar em uma única região, às vezes de modo escuso, símbolos de diferentes regiões que aí se condensaram. A culinária tradicional de Berlim e Brandenburgo, por exemplo, traz as marcas dos diversos grupos que se instalaram na região, entre eles os huguenotes calvinistas, no século XVII, que trouxeram produtos até então desconhecidos, como couve-flor, aspargos, ervilhas verdes e feijões, pepinos e alfaces, e que se incorporaram à dieta regional. A título de exemplo, nomeio aqui alguns pratos tradicionais da região: pé de porco em salmoura, com chucrute e purê de ervilhas; peito de gado, com rábano; carne de porco defumada, com chucrute; fígado frito, com maçãs, cebola e purê de batatas; ganso assado, com couve e bolinhos. Como pratos menores, para os dias da semana, podem ser enumerados: batatas com toucinho;