Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

salsicha de sangue ou fígado, com purê de batatas; almôndegas, com molho de mostarda; alcaparras, com purê de batatas; almôndegas, com salada de batatas; carne de porco picada, com cebola e salsa; bolinho de batatas, com molho de maçã e crepes.
Ao longo do tempo, a introdução de novos hábitos alimentares, bem como as transformações culturais resultantes da imigração massiva de populações do leste europeu, a urbanização e as novas tecnologias de conservação e produção de alimentos alteraram significativamente a paisagem gastronômica da região, mas não eliminaram o paladar tradicional. Em uma de minhas migrações pela cidade, atraquei na mundialmente conhecida Filarmônica de Berlim, onde a suntuosidade arquitetônica e os trajes de gala dão ares de majestade à orquestra. Uma belíssima apresentação para uma plateia absurdamente condicionada ao silêncio: nenhum movimento brusco, nenhum ruído de tosse ou pigarro. Até o ruidoso hábito de assoar o nariz ficou temporariamente suspenso... E o que saltou aos olhos no intervalo da apresentação foi uma combinação inusitada: o glamour dos espumantes contrastando com as salsichas.  As populares salsichas (Currywurst, Wienerwurst e Bockwurst) – vendidas em lanchonetes espalhadas pela Alemanha e que, acompanhadas de um pãozinho francês, catchup ou mostarda, não custam mais do que 1,50 euros a unidade – sendo degustadas com taças de espumante.
A cena levou-me, posteriormente, a pensar que para os berlinenses as apresentações da Filarmônica integram o cotidiano próximo, assim como os mais de 170 museus e galerias de arte, e os outros mais de 100 teatros e casas de espetáculos espalhados pela cidade. Assim, é provável que o suposto glamour não passe de uma projeção minha sobre aquele ambiente e que somente a etiqueta do meu lugar de origem exija canapés especiais no lugar das salsichas de 30 cm. Tento me convencer que não há nada de estranho naquela combinação, que ela, em síntese, integra um modo de ser (nacional-)regional. Mas figuraria estranho, em contrapartida, encontrar alguém no saguão do Teatro São Pedro, de Porto Alegre, no intervalo de uma apresentação, com uma taça de espumante em uma das mãos e na outra uma gorda costela do tradicional churrasco gaúcho...
Parece, portanto, que a regionalidade de certos elementos culturais nem sempre se faz presente ou pode se manifestar em todos os espaços sociais de uma região. Isso por que as regiões não são homogêneas do ponto de vista cultural, podendo abrigar manifestações aparentemente díspares entre si. O fato de o churrasco ser considerado o prato típico do Rio Grande do Sul não significa que ele seja consumido em todos os