Revista Rua


Do outro lado do muro: regionalidade e regiões culturais
On the other side of the wall: regionalities and cultural regions

João Claudio Arendt

 

Começo estas reflexões após deambular um mês inteiro pelas ruas de Berlim, capital da Alemanha reunificada. Estive em museus, mercados, farmácias, shoppings, restaurantes, galerias, monumentos históricos; andei de ônibus, trem, bonde, bicicleta; investi muita sola caminhando por becos e ruelas aonde não consegue chegar o transporte público. Gastei horas sentado em praças e cafés, tentando decifrar as engrenagens que sincronizam esta metrópole habitada por 3,4 milhões de indivíduos. Lamentei inúmeras vezes não ter formação etnográfica para registrar com objetividade o que os sentidos captavam; falta-me o senso de um método capaz de ordenar essa enxurrada de sensações. Tirei centenas de fotos. Fiz anotações em cadernetas e no verso de bilhetes de passagem e de cupons fiscais. Mas este material tem a perplexidade linguística de quem passou a juventude escrevendo versos e lendo romances. Creio que há um excesso de subjetividade em tudo o que registrei: diante do Portão de Brandenburgo, por exemplo, equilibrado no traço deixado pelo antigo muro, fui tomado por uma melancolia insensata, por que me vieram à tona imagens fragmentadas que reuni em museus, documentários e cartões postais: vi soldados, mulheres, crianças, cinzas; vi trens noturnos cruzando o Portão e partindo para Auschwitz... Como registrar este misto de sensações subjetivas e percepções objetivas para que possa ser útil aos estudos literários, esta área do conhecimento que costuma se autoproclamar científica e reúne milhares de pessoas em congressos como o da Anpoll ou da Abralic?
Posso dizer que tive a sorte de me acomodar, com a família, em um pequeno apartamento, às margens do Spree, rio que serpeia pela cidade e nesta época do ano passa a maior parte do tempo coberto por impecável camada de gelo, contrariando a navegação humana e o deslocamento de milhares de patos silvestres. A menos de cinco minutos a pé, encontra-se tudo de que uma pessoa precisa para viver: farmácias, mercados, tabacarias, padarias, bares, escolas, parques, restaurantes (tudo no plural). Há inclusive recursos espirituais – como as igrejas evangélica, católica e cientológica – e intelectuais – como a Biblioteca Pública Charlottenburg-Wilmersdorf, o campus da Universidade Técnica de Berlim, escolas públicas e algumas livrarias. 
Quanto aos restaurantes e lancherias, num raio de um quilômetro para cada um dos lados da rosa dos ventos, ocorre-me ter visto especialidades chinesas, portuguesas, francesas, turcas, asiáticas, vietnamitas, italianas, tailandesas, indianas, gregas... E em uma sala comercial do prédio em que estou morando, um restaurante (o Zum schwartzen Kater) serve, entre outras especialidades, o tradicional Eisbein com generosos copos de cerveja. Com os mesmos olhos com que me detenho nos cardápios expostos na rua,