Revista Rua


Reescrevendo espaços: VRBS e natureza nas Silvae
Rewriting Spaces: VRBS and nature in the Silvae

Leni Ribeiro Leite

Parui beatus ruris honoribus
qua prisca Teucros Alba colit lares
fortem atque facundum Seuerum
non solitis fisibus saluto.
 
 
Feliz junto às honras de um pequeno campo,
onde a antiga Alba cultua os deuses teucros,
eu saúdo o bravo e eloquente Severo
com uma lira não costumeira.
 
O poema é o único que temos de Estácio em estrofe alcaica, o que por si só já remeteria sua audiência ao mundo de Horácio. É importante observar também a escolha do termo rus, no primeiro verso, em lugar de hortus, o termo que será o preferido do poeta para se referir à natureza. É significativo, uma vez que hortus é aquele jardim esteticamente organizado, o jardim das uillae, quase um pastiche de natureza. Em Horácio, a natureza é rus, que sustém os poemas deste gênero, que inspira este tipo de dicção, a natureza mais agreste, mais rústica – ainda que saibamos que, claro, os poetas augustanos também não buscavam pintar uma natureza real. A natureza de Horácio, porém, sempre em contraponto à urbanidade, é útil para o homem, mas é plasmada na figura do pastor: útil, digno, trabalhador, mas agreste e avesso à cidade. Esta não é a natureza que encontraremos normalmente nos poemas de Estácio, que ressignifica o campo, não mais em contraponto, mas como parte da cidade.
A mescla de naturalidade e artifício é uma característica já apontada das Siluae (NEWLANDS, 2011, p.7) e que, segundo considero, não vale apenas como observação da construção poética, mas se vê refletida nos próprios temas abordados. Ou seja, Estácio abraça a temática do rus in urbe, topos de caracterização da fundação de Roma, prospectiva e retrospectivamente, cujo primeiro exemplo está no canto 8 da Eneida, mas transforma-o também em um topos de urbs ruri, uma vez que a natureza não é mais um elemento agreste útil ao homem mas contrário à elegância; a natureza se dobra, voluntaria ou involuntariamente, aos caprichos do homem que a faz adequada às suas necessidades, urbanizando a natureza. A mão do homem tem, portanto, o poder para conter e domar a natureza.
Os principais modelos de natureza e espaço humano em Estácio são, respectivamente, o jardim e a uilla. No poema II.3, Estácio descreve um jardim localizado no coração de Roma, na casa de Attedius Melior, como um mundo idealizado, remoto, distante da política romana. Há um forte contraste entre este poema e o que o precede imediatamente na coleção, o poema II. 2, que descreve uma uilla. A