Revista Rua


Reescrevendo espaços: VRBS e natureza nas Silvae
Rewriting Spaces: VRBS and nature in the Silvae

Leni Ribeiro Leite

a dignidade da pobreza, como fariam os poetas helenísticos, e mesmo Vergílio, autores de poemas em que personagens humildes são dignificados. Ao contrário, em uma inversão dos valores tradicionais – que já não cabem em pleno fausto imperial – um Hércules bem-humorado observa a riqueza da propriedade ao redor e repreende Pólio pela situação de abandono e pobreza de seu templo perguntando: mihi pauper et indignus uni Pollius?
(...)quid enim ista domus, qui terra, priusquam 96
te gauderet erum? Longo tu tramite nudos
texisti scopulos, fueratque ubi semita tantum
nunc tibi distinctis stat porticus alta columnis
ne sorderet iter. Curui tu litoris ora 100
clausisti calidas gemina testudine Nymphas.
Vix opera enumerem: mihi pauper et indignus uni
Pollius? Et tales hilaris tamen intro penates
et litus quod pandis amo. Sed proxima sedem
despicit et tacite ridet mea limina Iuno. 105
 
O que eram então esta casa, esta terra,
antes que se alegrassem contigo? Tu cobriste
os picos desnudos com uma longa estrada, e onde antes havia só uma trilha,
agora ergue-se teu alto pórtico com colunas separadas,
para que tenha elegância o caminho. Na margem do curvo litoral,
tu aprisionaste as águas termais com dois domos.
Mal enumero todas as melhorias; só para mim Pólio
é um pobre indigente? E mesmo um tal lar eu ocupo com alegria
e amo as praias que tu me abres. Mas Juno, por perto, despreza a morada
e ri para si mesma de meus umbrais.
 
Nos versos de 91 a 103 do poema, Hércules apresenta Pólio não só como generoso, mas como o benfeitor de uma região de outra forma rude e inóspita. Observamos aqui como, no novo esquema de relações, a natureza não é mais desejável, pura, mas selvagem e rude – faz-se mister que a mão do homem venha domesticá-la, como no momento da construção do templo. A transformação do espaço, perpetratada pelo homem, é agora um aprimoramento do que a natureza fizera, e não uma deturpação.

‘Macte animis opibusque meos imitate labores, 166
qui rigidas rupes infecundaeque pudenda
naturae deserta domas et uertis in usum
lustra habitata feris, foedeque latentia profers
numina! Quae tibi nunc meritorum praemia soluam? 170
 
‘Honrado por seu espírito e por sua riqueza, imitador dos meus trabalhos,
domador das pedras rudes e dos ermos, vergonhas da natureza