Revista Rua


Reescrevendo espaços: VRBS e natureza nas Silvae
Rewriting Spaces: VRBS and nature in the Silvae

Leni Ribeiro Leite

de um descaso quase completo nos séculos XIX e XX justamente por causa da já referida “cultura do elogio”, pelo muito de laudatório e encomiástico que há na poesia desses autores, um traço antitético em relação ao gosto moderno. A êcfrase em Estácio é parte da construção dessa poética imperial que precisa transmitir os sinais da nova cultura imperial e, por isso, está profundamente ligada ao aspecto encomiástico da obra de ambos os autores.
McNelis, em artigo de 2008, analisa dois epigramas de Marcial, IX.43 e IX.44, e um poema de Estácio, Siluae 4.6, que tratam de um tema comum – o de uma obra de arte, a estátua do Hércules Epitrapézios pertencente a Novius Vindex. McNelis dá ênfase mais às diferenças do que às semelhanças no tratamento dado por Marcial e Estácio à estátua de Hércules, mas enfatiza que, em ambos os casos, há a mudança do público para o privado: “Assim como o poema de Estácio, o epigrama de Marcial cita a impressionante lista de antigos possuidores [da estátua] e indica uma bem vinda mudança de um contexto público – ou mesmo autocrático – para um privado.” (McNELIS, 2008, p.268). Além disso, essa mesma linhagem de donos por que a pequena estátua de Hércules passa – de Alexandre para Aníbal, de Aníbal para Sila, de Sila para Vindex – é, tanto em Estácio como em Marcial uma passagem da guerra para a paz, dos grandes generais para um campeão das artes e da literatura, dos ódios e do derramamento de sangue para a amizade entre os homens. Esse pensamento é igualmente representativo da homogenia do poder de Roma, de um novo estado de coisas estabelecido pelo império, em que é possível viver a paz e os seus benefícios graças ao imperador. Todas essas obras de arte, esses elementos arquitetônicos, esses objetos de luxo têm, além de sua função dentro dos limites do próprio construto poético, uma face encomiástica, uma face que interpreta uma atitude cultural. Afinal, mais do que nos dizer da aparência de um objeto, a êcfrase nos fala de como aquele objeto é percebido naquela sociedade. Os objetos descritos por Estácio e por Marcial são formas culturais que expressam visualmente uma linguagem de poder, de autoridade, de riqueza, de otium. A êcfrase, enquanto expediente retórico e poético, vem auxiliar o estabelecimento, no período flaviano, de uma nova poesia cotidiana que dialoga diretamente com as mudanças culturais e políticas do período.
A êcfrase em Estácio, porém, ocorre menos frequentemente como descrição de obra de arte e mais como descrição de espaços: temos poemas sobre templos (III.1), sobre jardins (II.3), sobre uma estrada (IV.3), sobre banhos (I.5), sobre uillae (I.3, II.2), e mesmo em poemas cujos temas principais não são descrições de espaços, a êcfrase é