Revista Rua


Reescrevendo espaços: VRBS e natureza nas Silvae
Rewriting Spaces: VRBS and nature in the Silvae

Leni Ribeiro Leite

A percepção de que profundas mudanças marcaram os primeiros séculos do império romano não é uma novidade. O período dos imperadores flavianos, a ascensão de uma dinastia que não podia reclamar para si a legitimação dos júlio-cláudios, pode ser apontado como aquele em que essas mudanças, desenvolvendo-se a partir da morte de Augusto, alcançam um novo patamar: alterações também de cunho cultural, e que com frequência têm sido observadas nas obras de Plínio, o Velho, Plínio, o Jovem e Estácio, testemunhos contemporâneos das novas atitudes sociais, morais, culturais e artísticas que marcam o período flaviano.
As Siluae, de Estácio, são uma coleção de poemas de curta e média extensão, escritos como poesia de ocasião, que frequentemente exemplificam o que foi chamado por Carole Newlands (2002) de “poética do império” e por Eleanor Leach (2003) de “cultura do elogio”. As Siluae de Estácio – assim como os mais famosos Epigrammata de Marcial – apresentam como personagens frequentes indivíduos de diferentes estratos sociais, do imperador aos libertos; nas duas obras, misturam-se os espaços privados e públicos, e as referências ao luxo e riqueza, das uillae aristocráticas ao palácio imperial, chamam a atenção pela atitude.
Plínio, o Velho, através da Historia Naturalis, oferece um modelo do pensamento romano tradicional acerca do luxo e da riqueza: seus livros sobre arte são uma história de progresso técnico e decadência moral, a segunda sempre produto inescapável do primeiro. A arte é feita de materiais naturais, e por isso, essencialmente bons; esses materiais, porém, podem ser pervertidos pela ganância humana para atender a desejos frívolos. Para Plínio, o luxo é uma corrupção do mundo natural. A frugalitas era uma característica essencial do mos Maiorum, e os excessos da riqueza necessariamente levavam ao relaxamento das virtudes – uma ideia não de todo inexistente em nossos tempos modernos. No entanto, como os romanos do período imperial, em especial do período flaviano, poderiam reconciliar seu cotidiano repleto de objetos de luxo, oriundos das mais diversas partes do mundo, ao ideal de virtude e moralidade representado especialmente pelas lendas das origens e pelos modelos gravados na história romana?
A poesia de Estácio, em especial nas Siluae, mas sem esquecer a porção épica de sua obra, é compreendida por nós como a resposta a alguns desafios impostos pela nova conjuntura política, social e cultural à tradição literária grega e latina – desafios em vários níveis e de natureza diversa, que forçam, porém, uma atualização da representação dos valores tradicionais, para que sejam compatíveis com as mudanças