Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

As tatuagens são, portanto, um pouco as “frases sem palavra” descritas por A. Banfield no campo literário[18], que não têm uma função comunicacional declarada. Mas quais funções lhes atribuir? Funções que colocam o corpo vivo no centro do processo de escritura, a autobiografia e a construção da biosubjetividade.
Todos os testemunhos dos tatuados insistem na dimensão autobiográfica das inscrições corporais, pelas funções das marcas tegumentárias[19] nas civilizações primitivas e antigas. As pesquisas de S. Dupont não fazem exceção à regra:
 
- Jean: Je le vois comme une sorte de sortie de ce que j’étais avant.
- Cécile: Et puis en fait on avait décidé de se marier très peu de temps avant et euh on s’était dit qu’en fait bah c’était peut-être le moment de se faire le tatouage avant le mariage. (Dupont 2006)
[- Jean: Eu o vejo como um tipo de saída do que eu era antes.
- Cécile: E depois, de fato, nós tínhamos decidido casar pouco tempo antes e euh dizíamos que de fato bah era talvez o momento de fazer a tatuagem antes do casamento.” (DUPONT, 2006)]
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“Le tatouage avant le marriage - A tatuagem antes do casamento”: sob a rima espontânea, a função de iniciação, a escansão das idades da vida humana (em algumas civilizações, tatuavam-se as mulheres antes de sua primeira relação sexual). As tatuagens aparecem, portanto, como autobiografemas, sob numerosas variantes, mas com este ponto comum do discurso “de si para si” que ilustra bem as inscrições na boca mencionadas mais acima, assim como as numerosas datas de nascimento e nacionalidades que encontramos freqüentemente (por exemplo: made in Canada).


[19] Os enunciados enunciativamente (des)inscrito por A. Banfield são as narrativas ficcionais em terceira pessoa e aqueles do discurso indireto livre que lhe parecem só levar em consideração a interioridade mental da personagem e não sua presença enunciativa.
[19] N.T.: - Tegumentárias vêm de tegumento, ou seja, “o que cobre o corpo do homem e dos animais (pele, pêlos, penas, escamas).”