Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

compromising place. My nickname is Pony; it is the name of my former band; also my dad is a horse trainer, and inside the lip is where you tattoo horses to ID them. [“Eu sou uma cantora de ópera e eu não poderia, portanto, ter uma tatuagem em um lugar comprometedor. Meu sobrenome é Pony; é o nome do grupo ao qual eu pertenço; e depois meu pai é treinador de cavalos e é no interior do lábio que nós tatuamos os cavalos para identificá-los.”]” (SALTZ, 2006: 101; ill. 4).
Esses três casos são muito difíceis de interpretar no plano enunciativo, mesmo com a interessante explicação zoocentrista de Pony, mas parece confirmar a natureza não comunicacional da escrita tatuada.
A terceira configuração também surpreende no plano enunciativo: as tatuagens não visíveis para os tatuados. Estas são essencialmente marcas inscritas nas costas, nádegas ou atrás das costas. Citaremos entre mil as tatuagens de M. Materazzi (o que insultou Z. Zidane na Copa do Mundo de 2006), que tem seu nome e o de sua esposa ao longo da coluna vertebral (MATCH, 2006: 47), a da jovem mulher que ostenta Poison free no alto das costas, em homenagem a sua saída da toxicomania (SALTZ,  2006: 151, capítulo 8 sobre os “Belief systems”) ou ainda este Only God can judge me (com uma variante latina Deus solut me judicat em SALTZ, 2006: 133), que deixa o lingüista enunciativo um pouco perplexo. Com efeito, como interpretar o fato de que o portador de uma inscrição não possa ler (salvo em um espelho e, portanto, ao contrário)? Isto conduz a uma primeira resposta: o enunciador da inscrição não é seu portador, resposta que só pode ser feita, todavia, se a teoria standard prevê que o enunciador possa ser seu próprio enunciatário. Dito de outro modo: na teoria standard, o enunciador tem acesso ao enunciado que ele produz? Não me parece que esse seja o ponto abordado na literatura sobre a questão, portanto, podemos supor que ele pode ter acesso ou não. Assim, não há razão para postular uma distinção entre o portador da tatuagem e seu enunciador, o que conduz ainda um pouco d’água ao moinho heterodoxo: se o enunciador não pode ler o enunciado que ele produz, então, a função da comunicação do enunciado em questão é mais que duvidosa e uma situação de interação muito pouco visível. É preciso talvez ver as coisas de outro modo, e descrever o enunciado como uma distribuição das informações elaboradas no ambiente cognitivo e não “contidas” em uma mensagem.