Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

1.1.TEXTOS LITERÁRIOS: TRECHOS ESCOLHIDOS
Enfim, são, às vezes, textos inteiros, a maioria de tempos literários, que alguns tatuados preferem. Uma tatuadora da Dragon Tattoo, na rua do rei da Sicília em Paris, me conta que ela chega a passar duas sessões de 6 horas para escrever sobre os braços e sobre as costas de um homem o incipit de um romance de Kafka. O primeiro capítulo da obra Body Types, intitulado “Literature, poetry and lyrics”, mostra um excerto de Ulysses de Joyce, o início do monólogo de Hamlet (ill.2), uma passagem de O Inferno de Dante, citações célebres de F. Herbert (Fear is the mind killer [O medo é o assassino da mente], em Dune) ou de J.R.R. Tolkien (Not all who wander are lost [Nem todos os que vagueiam estão perdidos]), trechos de S. Plath, F. O’Hara, W. Stevens, E. Pound, ou ainda o célebre excipit do Tratato lógico-filosófico de L. Wittegenstein (Wovon man nickt sprechen kann, darübar muss man schweigen [Sobre o que não se pode falar, deve se calar]). Também encontramos orações como o “Pai Nosso” em inglês tatuado num pergaminho, no peito de um homem, em 1950 (SECHIFFMACHER, 2005: 204), e ainda, a “Oração da Serenidade” extraída do programa das doze etapas dos Alcoólicos Anônimos. (SALTZ, 2006: 152). Eu citarei para finalizar o gênero particular da “poesia do gulag” – o termo gulag refere-se ao campo de trabalho forçado – assim apresentado por F. Baillette:
 
Édouard Kouznetsov, qui fut deporte dans les bagnes de Russie, mentionne ainsi l’inscription «sur la partie faciale» (front, menton, joues, cou) de tatouages qualifiés par les autorités disciplinaires de « cyniquement » ou « insolement antisoviétiques », pire « à contenu antisoviétique diffamatoire », comme : Esclave du PCUS, Du pain et la liberté ou encore À bas le Buchenwald des soviets !, Mort aux tyrans et aux tyranneaux ! Il se souvient tout particulièrement de l’impertinence d’un petit quatrain tatoué sur la joue d’un compagnon d’infortune :
 
« Khrouchtchevm, je ne le crains pas
J’épouserai sa Fourtséva
Pour peloter les roberts
Les plus marxistes de la terre[9] »


[9] Édouard Kouznetsov, 1974, Journal d’un condanné à mort, Paris, Gallimard, “Témoins”, [1ª edição, sob o título Dnevniki em 1973 aos Editores Réunis], p. 196-200.