Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

Eu aposto na verificação da síntese que reúne os dados enunciativos “heterodoxos” recolhidos ao longo do trabalho.
 
 
2.3 ELEMENTOS NÃO SISTEMATIZADOS DA TEORIA ENUNCIATIVA: ENUNCIAÇÃO DISTRIBUTIVA E AMBIENTE COGNITIVO
 
No La Raison, le langage et les normes, S. Auroux assinala que, em lingüística, uma evolução ou uma modificação dos exemplos é o índice de uma mudança de teoria (AUROUX, 1998: 192; passagem em excerto do artigo). Eu penso que as tatuagens têm esse papel na teoria da enunciação. As tatuagens escriturais constituem, com efeito, um conjunto de enunciados dos quais as características implicam uma posição anti-indexical quanto a alguns tipos de escritos, e que permitem defender, seguindo A. Banfield, a idéia de que a linguagem não é sempre comunicacional: alguns enunciados, nos quais as tatuagens, não exercem nos dispositivos sistematizados que fundam toda enunciação uma interação comunicacional explícita ou implícita, de superfície ou de maneira primitiva. Dizer não é necessariamente dizer a alguém, isto pode ser dito e nada mais, dizer para si ou simplesmente exprimir, marcar ou formular sua experiência, instalar uma relação com o real. Minha posição implica correlativamente, veremos, defender algum referencialismo.

2.3.1 A FUNÇÃO “BIO” DA CORPOGRAFESE(1): AUTOBIOGRAFIA

Eu demonstrei que a situação enunciativa da tatuagem não correspondia ao dispositivo canônico proveniente das proposições de É. Benveniste e renovadas pelos lingüistas interacionalistas e dialogistas: falta de marca indexical nos enunciados (enunciados em terceira pessoa), falta de enunciatário identificável (enunciados em segunda pessoa) e algumas vezes mesmo falta de enunciador, nos casos de enunciados não acessíveis a seu portador, quer ele seja designado como enunciador ou não.