Revista Rua


Rememoração/Comemoração no Discurso Urbano
(Rememoration/commemoration in the urban discourse)

Maria Cleci Venturini

não se lineariza no fio do discurso, ela é um efeito de memória, que sustenta e ancora o dizer no eixo da formulação. É a dimensão não-linear do dizer, que irrompe no eixo da formulação, como discurso transverso, fazendo retornar discursos que representam não só o presente cultural do espaço urbano, mas também a história e a memória desse espaço e dos sujeitos que o constituem e são por ele constituídos.
Nessa perspectiva, a rememoração funciona duplamente, como memória e como discurso fundante. Como memória, materializa-se no fio do discurso pelo efeito do discurso transverso, que ocorre pelo atravessamento no intradiscurso de discursos advindos de tempos e lugares outros, encaminhando para efeitos de sentido que rejeitam a homogeneidade e fazem retornar discursos autorizados, como uma das formas de institucionalizar o dizer, legitimando-o[2]. Já como discurso fundante, a rememoração é o discurso que retorna e sustenta, no intradiscurso, os dizeres, dotando-os de efeitos de verdade e de pertencimento. Assim, duas posições sustentam a nossa reflexão.
A primeira é que a comemoração emerge de um discurso de,como memória, a qual, segundo Pêcheux (2002: 56), “[...] é necessariamente um espaço móvel de divisões, disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos e de regularização [...] Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos”. A memória, nesse sentido, não é plana, nem homogênea, não comporta a unanimidade, mas a diferença e a ruptura com o mesmo, instaurando novos sentidos. De acordo com Pêcheux (1997), o sentido das palavras, proposições e enunciados são determinados pelos sujeitos, a partir da filiação deles a formações discursivas, as quais, segundo Courtine e Marandin (1980: 24), são heterogêneas em si mesmas, isto é, não se fecham, mas se constituem “como fronteiras que se deslocam em função da luta ideológica”, sinalizando que a FD está aberta a saberes de outras FDs, que preenchem os furos que a constituem. No texto Discurso, Estrutura ou Acontecimento?,Pêcheux relaciona o sentido à filiação dos sujeitos a espaços de memória que os enunciados fazem trabalhar, referendando o não fechamento das FDs e, conseqüentemente, do sentido.
Como discurso de, a rememoração instaura-se se no espaço do “já-dito e significado antes em outro lugar”, cujo retorno ocorre pela repetição, que de um lado estabiliza os sentidos e, de outro, instaura o novo. Constitui-se por meio de um processo parafrástico, pelo qual, segundo Orlandi (2002: 36), “em todo o dizer há algo que se


[2] Cf. Pêcheux (1997: 159), esses lugares se constituem “sob a evidência da constatação que veicula e mascara a norma identificadora”, a partir da qual o sujeito se reconhece e reconhece também os lugares institucionais.