Revista Rua


Rememoração/Comemoração no Discurso Urbano
(Rememoration/commemoration in the urban discourse)

Maria Cleci Venturini

vida pública, pela impossibilidade de unanimidade e de congelamento dos sentidos. A comemoração, na perspectiva de Davallon (1999), significa pelo que é vivo nas formações sociais, constituindo-se como a refundação do passado. A Revolução Francesa, de acordo com o autor, configura-se como o mito da instauração de uma sociedade nova, por meio do gesto fundador instaurado pela Declaração dos Direitos Humanos, que inaugura a possibilidade de uma sociedade de direito, o que significa dizer que essa dimensão referenda os ritos comemorativos e pauta-se pela aceitação, que estreita os laços de identificação entre os sujeitos da formação social e o objeto ou evento comemorado. A dimensão simbólica refere-se à própria análise dos ritos comemorativos em suas conseqüências políticas e se concentra no seu caráter ritualístico e institucional, instaurando a crítica, porque quebra o tom celebrativo da comemoração. 
Davallon (ibid.), em relação aos ritos comemorativos, chega a três conclusões. A primeira é que esses ritos criam e materializam uma rede identitária entre os sujeitos da formação social. A segunda é que a ordem social visibilizada não representa a realidade comum à formação social, uma vez que a representação do tempo e do espaço por meio de ritos escapa à lógica do verdadeiro e do falso, pois pertence à lógica da figurativização, na qual os contrários coabitam, os elementos fundem-se, condensam-se, podendo ser vistas como um modo de representação da formação social e do que é comemorado nela. Nesta perspectiva, os ritos comemorativos subordinam-se a regras determinadas por um contrato social, que se funda na experiência humana, demonstrando que a lógica da figurativização e a experiência comum à formação social servem de fundo para a produção da significação. A terceira conclusão apontada por Davallon (op. cit.) é que todas essas práticas simbólicas e políticas de agregação sustentam-se pela produção de objetos simbólicos, que comportam traços identitários que ligam o nome ou o evento celebrado à formação social.
Esses objetos integram a prática simbólica e fornecem a representação da cerimônia que vivifica a memória. O que era objeto da História, pela comemoração, ressignifica-se como memória coletiva de grupos, podendo constituir arquivo, não como campo de documentos, mas como objeto cultural que representa em si mesmo os conteúdos imaginários que compõem os objetos culturais, tomados como documentos históricos constitutivos da herança legada a gerações futuras. Em relação à memória social, essa herança não é da mesma ordem da herança familiar, pois pertence ao coletivo da formação social.