Revista Rua


Rememoração/Comemoração no Discurso Urbano
(Rememoration/commemoration in the urban discourse)

Maria Cleci Venturini

Segundo Catroga (2001: 44), os objetos culturais são dados como aquilo que passa de pai para filho pela rememoração e pela comemoração, como procedimentos ligados à memória social, que sobredetermina os ritos comemorativos. Nesse sentido, o que emerge da memória é “uma representificação, feita a partir do presente e dentro de uma tensão tridimensional do tempo” (id.:46) e retorna de acordo com as emergências do presente, conduzindo a um tempo futuro, ao devir.
A comemoração, nessa perspectiva, tem como contra-face a rememoração e  se caracteriza pela contradição. Organiza-se por meio de uma narrativa aparentemente coerente, que apaga “os buracos negros deixados pelo esquecimento” (ibid.: 46). Podemos dizer que a recordação viabiliza a comemoração e subordina-se ao princípio de realidade, aos conhecimentos distribuídos socialmente pelas instituições, os quais, segundo Berger e Luckmann (2007), estruturam as sociedades humanas pela linguagem. O efeito de realidade decorre da datação e da institucionalização do discurso. Por meio da rememoração, o que retorna do passado para o presente é o que é tido como o melhor para ser celebrado pelos sujeitos das formações sociais.
As relações estabelecidas entre a rememoração e a comemoração têm origem na História e na Antropologia, especificamente nos textos de Nora (1984, 1992, 1993), Davallon (1993, 1999) e Catroga (2001). Enfocamos a rememoração/comemoração no espaço urbano na perspectiva do discurso, o que exigiu deslocamentos e transformações, sendo que a mais importante delas é tomar o sujeito não como ator social, mas como posição em uma formação discursiva, que determina o que ele pode ou deve dizer a partir da posição que ocupa e do lugar de onde fala. Nessa perspectiva, essas noções constituem-se como um processo discursivo, definido por Pêcheux (1997: 161) como “o sistema de relações de substituições, paráfrases, sinonímias [...] que funcionam como elementos lingüísticos – ‘significantes’ – em uma formação discursiva dada”. Nesse processo, enquanto prática, importa saber “como o texto significa”, e não os conteúdos abordados nele.
A rememoração/comemoração articulada em torno do imaginário urbano, cujo objeto é o discurso da cidade de Cruz Alta sobre Érico Verissimo, em nossa interpretação, vaifuncionar a partir da memória em duas dimensões: a vertical e a horizontal. A dimensão vertical – eixo das seleções – representa o já-dito e significado antes em outro lugar, que retorna ao eixo da formulação pelo interdiscurso, como pré-construído, segundo Pêcheux (1997: 171), “aquilo que todo mundo sabe”. A dimensão horizontal – eixo das relações – é o lugar da linearização do dizer – representa a