Revista Rua


Rememoração/Comemoração no Discurso Urbano
(Rememoration/commemoration in the urban discourse)

Maria Cleci Venturini

CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Concluir é sempre difícil, especialmente quando há muito a dizer, e não há tempo nem espaço para fazê-lo. De qualquer forma, é sempre impossível fechar um texto, tomado como discurso, porque ele se move, instaura a repetição e ao ser repetido, legitima o já-dito e significado e às vezes, segundo Courtine (1981), transforma ou apaga o já-dito, fazendo trabalhar espaços de memória, nem sempre previstos pelas instituições, uma vez que os efeitos de memória e o movimento que se dá entre o espaço da rememoração e da comemoração nem sempre são recuperáveis.
A cidade, nesta perspectiva, é um grande texto e se constitui pelo equívoco de ser, ao mesmo tempo, uma página em branco, a ser preenchida, que encaminha para o novo e, outras vezes, como uma página preenchida, que encaminha para o mesmo, sem o diferente, cuja leitura vislumbra o “inteligível”, talvez o “interpretável”, mas nem sempre o “compreensível”. No entanto, apesar dos efeitos de evidência, dos simulacros, das saturações, o espaço urbano não se deixa aprisionar por fronteiras porque o “mesmo” dizer encaminha para sentidos outros, faz trabalhar outros espaços de memória, apesar e acima das instituições.
As análises das materialidades discursivas sinalizam para o fato de que o esforço para “fazer-crer” pelo “fazer-ver” também deixa “furos” e com isso a possibilidade de os sentidos deslizarem, rompendo a rede “imaginária” que as instituições urbanas esforçam-se para solidificar. Apesar de, no fio do discurso, as palavras de ordem, as citações, as definições e as repetições de enunciados/imagens encaminharem a solidificação dessas redes, constituindo o mesmo, sem o diferente, mas também  a falta e a falha, fazendo retornar outros discursos, que instauram o novo.
Nesse sentido, o que se pode dizer, para de alguma forma concluir a reflexão em torno da rememoração/comemoração no espaço urbano, é que “os furos” permanecem, apesar da aparente saturação do discurso. A citação, como procedimento de “fazer-crer”, nem sempre instaura a repetição, por vezes, ela faz emergir outra citação e com ela outros discursos. No espaço entre uma definição e outra, apesar das evidências de complementaridade, os furos persistem, as palavras de ordem se dispersam, os enunciados-imagens deslocam sentidos, fazendo com que “a maior herança cultural” passe a ser “o nosso maior contador de histórias”.