Revista Rua


A contradição no consenso social do discurso ecológico da campanha publicitária da linha Ekos da Natura
The contradiction of the social consensus about the ecological discourse of "Natura Ekos Line" advertising campaign

Maria Eunice de Godoy Machado Teixeira

 
Deixa eu cuidar da sua terra.
Deixa eu cuidar do seu rio.
Deixa eu cuidar da sua floresta.
Aqui, seriam as consumidoras da linha Ekos dizendo os enunciados acima aos lavradores.
 
O sentido de interligação e reciprocidade entre os que vivem no campo (os lavradores) e os que moram nas cidades (as consumidoras dos produtos), ou, em outras palavras, os que produzem e os que consomem o produto, começa, neste trecho, a se fazer significar, pois o tom cordial dos enunciados, juntamente à estrutura dialógica do texto evidenciam este sentido. Enquanto um diz que cuidará do outro e este de sua natureza, o diálogo se estabelece. Cada qual fala por sua vez, deixa que o outro também fale e os dois enunciados são um pedido de permissão para um cuidar do outro.
Para Orlandi (1996), porém, a tomada da palavra nem sempre se faz tranquilamente. Pelo contrário, “há tensão, confronto, reconhecimento e mesmo conflito na tomada da palavra. Há tensão entre o texto e o contexto (social, histórico-social). Há tensão entre interlocutores: tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações”. (p. 151) Mas, nesta campanha, não há tensão aparente, e sim, cordialidade e interdependência. Enquanto as usuárias contribuem para que cresça o consumo responsável, que se estabeleça na sociedade o chamado capitalismo verde (desenvolvimento sustentável), os lavradores veem o seu fruto tornar-se produto de consumo e se reverter em renda para que cada qual possa se firmar no seu lugar, sem sofrer a pressão de ter que abandonar o campo para buscar vida melhor na cidade grande.
No diálogo proposto pela campanha, há um silenciamento das contradições entre as duas classes sociais. Não se fala em pólos da luta de classes nem em violência rural, reforma agrária ou demarcação de terras indígenas e direitos trabalhistas. De um lado, estão os lavradores que assumem uma posição subserviente e servil e, de outro, as usuárias, na posição de seres benevolentes e generosos.
Só é possível pensar na construção de um diálogo, ainda que na contradição, justamente porque a linguagem categoriza o silêncio (cf. Orlandi, 1997). Se há contradição, ela está no silêncio, porque, se, pela formação discursiva, só se fala o que é permitido dizer, ela, então, direciona o dizer e instala a harmonia. A produção verbal