Revista Rua


A contradição no consenso social do discurso ecológico da campanha publicitária da linha Ekos da Natura
The contradiction of the social consensus about the ecological discourse of "Natura Ekos Line" advertising campaign

Maria Eunice de Godoy Machado Teixeira

vende, então, a única coisa que pode interessar ao capital: a sua força de trabalho e, para que ele continue produzindo, merece ter todas as condições necessárias para continuar vivo e trabalhando. Por isso, consumir os produtos, frutos da terra que o trabalhador cultiva, ou seja, “cuidar do seu rio, da sua terra e da sua floresta” é garantir que este trabalhador tenha as condições necessárias para trabalhar. Portanto, este diálogo que coloca trabalhador rural e usuária de cosméticos, equiparados no mesmo direito ao cuidado, só funciona, porque traz na memória um sentido sedimentado, uma realidade já posta, a saber: a sociedade dividida em classes que coloca de um lado os que têm direito a consumir e a receber cuidados pessoais e, de outro, os que têm direito a receber cuidados para se manterem vivos e produtivos no processo econômico de uma sociedade capitalista.
 
(..) Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo, sempre que possível, ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos como a caldeira consome carvão, e a maquinaria, graxa e óleo, enfim como se fosse mero meio de produção. (Marx, 2003, p. 306)
 
Ainda neste gesto interpretativo, o pronome possessivo presente nos enunciados dos dois grupos não tem o mesmo sentido. Quando o trabalhador rural enuncia: Deixa eu cuidar do seu banho ou Deixa eu cuidar da sua pele, o pronome possessivo funciona de acordo com sua definição na gramática da Língua Portuguesa, pois substitui um nome (de uma usuária), produzindo a idéia de posse (o banho e a pele são realmente objeto de posse de cada usuária). Porém, o pronome possessivo atribuído aos trabalhadores rurais nos enunciados das usuárias: Deixa eu cuidar da sua terra, Deixa eu cuidar do seu rio, Deixa eu cuidar da sua floresta, quereria produzir o sentido equivalente de posse, ainda que de uma certa forma poética, mas há aqui um equívoco na língua, pois o trabalhador não é dono nem da terra em que trabalha nem do rio, nem da floresta. Nada disso pertence ao trabalhador. Pelo equívoco da língua, no deslizamento produzido, tudo fica igualado: trabalhadores e consumidores, posições-sujeito que se equiparam, diferenciando-se apenas pelo lugar que cada um devidamente ocupa no processo de produção e circulação de riquezas. O mais desta relação é apagado na propaganda em questão. Há, neste trecho, um jogo entre paráfrase e poder