vende, então, a única coisa que pode interessar ao capital: a sua força de trabalho e, para que ele continue produzindo, merece ter todas as condições necessárias para continuar vivo e trabalhando. Por isso, consumir os produtos, frutos da terra que o trabalhador cultiva, ou seja, “cuidar do seu rio, da sua terra e da sua floresta” é garantir que este trabalhador tenha as condições necessárias para trabalhar. Portanto, este diálogo que coloca trabalhador rural e usuária de cosméticos, equiparados no mesmo direito ao cuidado, só funciona, porque traz na memória um sentido sedimentado, uma realidade já posta, a saber: a sociedade dividida em classes que coloca de um lado os que têm direito a consumir e a receber cuidados pessoais e, de outro, os que têm direito a receber cuidados para se manterem vivos e produtivos no processo econômico de uma sociedade capitalista.
(..) Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo, sempre que possível, ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos como a caldeira consome carvão, e a maquinaria, graxa e óleo, enfim como se fosse mero meio de produção. (Marx, 2003, p. 306)
Ainda neste gesto interpretativo, o pronome possessivo presente nos enunciados dos dois grupos não tem o mesmo sentido. Quando o trabalhador rural enuncia: Deixa eu cuidar do seu banho ou Deixa eu cuidar da sua pele, o pronome possessivo funciona de acordo com sua definição na gramática da Língua Portuguesa, pois substitui um nome (de uma usuária), produzindo a idéia de posse (o banho e a pele são realmente objeto de posse de cada usuária). Porém, o pronome possessivo atribuído aos trabalhadores rurais nos enunciados das usuárias: Deixa eu cuidar da sua terra, Deixa eu cuidar do seu rio, Deixa eu cuidar da sua floresta, quereria produzir o sentido equivalente de posse, ainda que de uma certa forma poética, mas há aqui um equívoco na língua, pois o trabalhador não é dono nem da terra em que trabalha nem do rio, nem da floresta. Nada disso pertence ao trabalhador. Pelo equívoco da língua, no deslizamento produzido, tudo fica igualado: trabalhadores e consumidores, posições-sujeito que se equiparam, diferenciando-se apenas pelo lugar que cada um devidamente ocupa no processo de produção e circulação de riquezas. O mais desta relação é apagado na propaganda em questão. Há, neste trecho, um jogo entre paráfrase e poder