Revista Rua


Espaços Linguísticos e seus desafios: convergências e divergências
Linguistic spaces and its challenges: convergences and divergences

Eni P. Orlandi

 

diz S. Brunel (2007), a aparente unificação mundial apaga profundas disparidades e, ao fazê-lo, reforça as desigualdades, tanto no plano espacial como social. Algumas questões são consideradas essenciais e em nome delas se exerce o poder controlador: segurança, saúde e acesso á energia. Eu acrescentaria, equilíbrio econômico. Há reafirmação das identidades locais, reativação do comunitarismo (em detrimento da valorização do social e do estado) e fragmentação do mundo. Tem-se de um lado o Um e de outro o fragmentário (dissolvido). E não o que, segundo penso, é desejável: o universalismo histórico, que admite o real concreto sujeito a diferenças e a contradições.
Nessa conjuntura, os combates memoriais e a intolerância (religiosa e outras) são muito agudos, se reforçam. Resultando em conflitos, preconceitos e alimentando até mesmo as guerras no mundo. Ao mesmo tempo, se fala em cidadania mundial, desenvolvimento igual para todos etc. sendo que as mercadorias e os capitais vão e vêm livremente enquanto os homens são, frequentemente, presos nas fronteiras. Este discurso da mundialização produz, assim, o esquecimento do político, do social, da abertura a experiências compartilhadas/divididas/confrontadas entre sujeitos das mais variadas formas identitárias, culturais, sociais, ideológicas. Nessa posição, nas relações internacionais, pratica-se o relativismo cultural e linguístico, aceitando-se, como é próprio à ideologia do humanismo idealista, todas as culturas e as línguas, idealmente, enquanto, na estrutura política que realmente decide, somos dominados pelo monolinguismo da língua do poder. Porque este tem as reais condições de se impor, de se instrumentar, de concretizar relações entre os “falantes” (usuários?) de diferentes partes do mundo.  
Pois bem, retomando o Ulisses da Odisséia, podemos nos perguntar: “Qual é o povo ao qual cheguei desta vez? São ladrões inumanos ou partidários do sagrado direito da hospitalidade?”. Segundo Dauk (2006), Ulisses estabelece pela primeira vez os limites do mundo dos humanos e o critério do traçado deste limite é a hospitalidade. Esta ideia relaciona os humanos (eu diria os sujeitos) entre si por sobre as fronteiras étnicas e culturais. Mas o “estranho” nunca deixou de ser uma figura ambígua e a questão das fronteiras (espaços?) sempre se colocou. Pensar o multilinguismo em outra perspectiva que não a dessa ideologia da globalização pode ser uma maneira interessante de pensar as línguas como esse lugar de hospitalidade.