Revista Rua


Espaços Linguísticos e seus desafios: convergências e divergências
Linguistic spaces and its challenges: convergences and divergences

Eni P. Orlandi

Introdução
 
Penso que o primeiro e maior desafio posto pelo estado atual da situação linguística, eu diria, linguístico-discursiva, pensada no cenário mundial, é a necessidade de redefinições. E quando penso as redefinições, penso a teoria e a práxis, ou seja, penso em redefinições que resultam em consequências que tocam as práticas chamadas multilíngues no mundo contemporâneo e seu alcance político-social. Minha proposta, portanto, nesta reflexão conjunta sobre os chamados espaços linguísticos e seus desafios, é pensar as redefinições necessárias para que daí resultem modos de significar o multilinguismo, as relações entre línguas, na conjuntura da chamada globalização/mundialização[2], hoje.
 
A Lingua, as Línguas e o Multilinguismo
 
Não há país que não seja multilíngue. Dito de outro modo: não há país monolíngue. Não há Estado que, embora em sua institucionalidade[3] apresente sua ou suas línguas oficiais, nacionais, não se faça no contato com múltiplas línguas. E a língua não é una, não é uma, não é pura. É feita de falhas, de mudanças, de contatos variados. As línguas mudam, entram em contato entre si, desaparecem, se criam.Estão sempre incompletas, em movimento, assim como as identidades são um movimento na história. Não há Nação que não produza uma riqueza imensa na relação de sua(s) língua(s) e sua(s) cultura(s). Relação complexa, portanto, que não existe em linha reta, não é exata e demanda que se pense a história, a sociedade, e a política.
Porque as línguas não são objetos etéreos. Não se pode pensar a língua sem pensar a constituição dos sujeitos e dos sentidos. Segundo a perspectiva pela qual trabalho esta questão, que é a perspectiva discursiva, a língua, sujeita a falha, se


[2] Não posso deixar de observar, já, as políticas da língua funcionando: quando escrevo globalização não há questão a ser posta, quando escrevo mundialização meu computador aponta uma questão ortográfica: grifo em vermelho. Isto porque, em inglês, não há forma de se dizer mundialização. Diz-se globalização. Em segundo lugar, a palavra “espaço” é uma palavra que, se tomarmos a discussão sobre a chamada “pós-modernidade” marca a passagem da modernidade para a pós-modernidade carregando consigo a passagem da reflexão nuclearizada sobre tempo para a reflexão centrada e dita pelo espaço. São dois indícios de dificuldades teóricas para a reflexão sobre a questão que se nos coloca.
[3] A institucionalidade do Estado moderno exige o estabelecimento de uma (ou mais) língua nacional, oficial. Reciprocamente, há formas da língua que se legitimam, adquirindo um estatuto de legitimidade, institucionalidade; é o que tenho chamado de “Língua Institucionalizada”, a das normas, a língua “standard”, nacional, a que se liga à escrita, à gramatização, ao ensino.