Revista Rua


O discurso da normatização da terra
The discourse of the land normatization

Ana Luiza Artiaga R. da Motta

cronologia, mas é algo que se dá na própria ordem do discurso. Nesse sentido, o discurso da fundação do povoado permite compreender os efeitos que a descoberta do ouro produz no espaço local.
É necessário dizer que o ouro torna-se o marco na ocupação das “Minas do Cuyabá” e re-significa o sentido de terra, na região, bem como a trajetória das grandes expedições dos bandeirantes paulistas que transformam os rios do Pantanal como corredores entre São Paulo e as “Minas do Cuiabá”. É sem dúvida importante ressaltar a importância que o ambiente, o ouro impõem na apropriação do território originalmente espanhol[15].Chegamos então, a nossa questão que tem a ver com as condições de produção do discurso da Ata.
Podemos dizer sobre a estabilidade do discurso, de apropriação da terra, a partir do gesto dos presentes, em assinar e dar fé ao documento. Isto é, o ambiente do “Arraial de Cuiabá” é legitimado no/pelo texto da Ata “como notícia do descobrimento novo”, representado pelo rio, o ribeirão do Coxipó, que significa, na formulação, a descoberta do ouro. No jogo dos múltiplos discursos, o rio se significa em relação à fundação do povoado como meio de transporte fluvial e pelos filões de ouro. Isto é, a ambiência instala as condições da fundação do local.[16]
A partir da legalidade da Ata, podemos pensar sobre uma memória que reverbera sentidos sobre um antes e um depois. Ou seja, a representatividade da escrita da Ata, constitui a linha divisória entre o colonizador e o colonizado.
A questão que emerge com a normatização da terra pela Ata deve-se a: como esse espaço, o ambiente, passa a significar a partir da escrita da Ata, dois séculos depois da existência da Província de São Paulo, na colonização do Brasil?
A pergunta aponta para a desigualdade entre os homens em relação à constituição política da nação, o Brasil, no processo sócio-histórico da construção do povoado em Mato Grosso. Como enfatiza Lagazzi (1988, p.13), a relação entre o sujeito e a sociedade “é um tema amplamente explorado por filósofos, sociólogos e por todos os que têm como objeto de estudo os homens em suas relações sociais.” A mediação política, entre os homens e a sociedade, produz uma clivagem, um lugar para se pensar


[15] Segundo Carvalho (2001, p.26) “a divisão política é estabelecida no Tratado de Tordesilhas de 7 de junho de 1494”. “Assim, quando em 1750 os reinos ibéricos firmam o Tratado de Madrid definindo as fronteiras do território, e no qual se aceita o princípio do uti possidetis, os espanhóis tão somente são forçados a concordarem com uma inquestionável realidade: reconhecem de direito aquilo que já era de fato” (p.28).
[16] O termo ambiência refere-se ao espaço natural em que se constrói o povoado.