Revista Rua


O discurso da normatização da terra
The discourse of the land normatization

Ana Luiza Artiaga R. da Motta

A materialidade, o texto, neste caso a Ata, é uma “peça” [18] simbólica, engenhosa, que significa a língua; o discurso da apropriação, de injunção do dizer e fazer-se. Para melhor situar o gesto de interpretação da posição-sujeito em relação à terra, nas minas do Cuyaba, podemos observar como o ouro se configura no dizer: “[...] o nosso enviado, o Capitão Antônio Antunes com as amostras que levou do ouro ao Senhor General [...]”. O ouro constitui, nessa formulação, um lugar real que estabelece sentidos para o povoamento da região. Nesse gesto, o ouro sobredetermina o espaço como fato nas terras do “Arraial do Cuiabá”. Nessa relação hierarquizada entre o Capitão Antônio Antunes e o Senhor General, a mostra do ouro sedimenta o poder da palavra, do dizer sobre a riqueza no solo de Cuiabá. Isto pode ser observado ainda em “para notícia do descobrimento novo que achamos no ribeirão do Coxipó.” Ou seja, o ouro no rio Coxipó é a notícia que particulariza, dá a individualidade ao rio, como um lugar novo no contexto do descobrimento, do processo de ocidentalização.
Segundo Costa (1999, p.55), a presença dos mamelucos paulistas, com suas bandeiras desde o início do século XVII, sobre as terras espanholas, já significava a apropriação da terra, na região do rio Cuiabá. A instalação dos núcleos populacionais viria tornar-se motivo de disputa pela terra que contava com ricos filões de ouro.
O Capitão Mor Pascoal Moreira Cabral requer à Coroa Portuguesa, o direito a/da terra pelo documento oficial, a Ata. A posição do fundador deixa em relevo os anseios sobre os direitos das novas lavras de ouro, no discurso da Ata, como também à invocação a “Nossa Senhora da Penha de França”. A formulação marca o espaço ideológico da Igreja, o poder da religiosidade que atravessa as relações políticas e administrativas daquela época. Nesse acontecimento de linguagem têm-se a representatividade da memória de outro lugar a além-mar, a França, os padres franceses, em uma relação política de catequizador da colônia.
Sabe-se que a cada acontecimento produz-se uma discursividade diferente. Assim, a partir da institucionalização da terra, o “Arraial de Cuiabá”, em 1722, é elevado à categoria de distrito da Capitania de São Paulo, por Provisão Régia. Dessa forma, as modificações e o controle político se constituem em Mato Grosso, com a chegada do Governador de São Paulo, Dom Rodrigo Cezar de Menezes que institui o Arraial à “Villa do Senhor Bom Jesus de Cuiabá” em 1º de janeiro de 1727


[18] Orlandi (1996, p.14) diz que o texto é um bólido de sentidos, na perspectiva da Análise de Discurso. Ou ainda, que o texto deva ser considerado, em sua materialidade como uma “peça” dada a sua articulação na constituição do (s) sentido (s).