Revista Rua


O discurso da normatização da terra
The discourse of the land normatization

Ana Luiza Artiaga R. da Motta

Frente a essas colocações teóricas, nos deteremos na análise discursiva da Ata de fundação de Cuiabá, uma vez que ela constitui o lugar das interrogações. Tal investigação será conduzida por determinados questionamentos que convergem: a) A regularidade atribuída à materialidade da primeira Ata pode ser compreendida como um discurso fundador? b) O discurso da Ata, em Mato Grosso, apontaria para interesses sóciopolíticos diferenciados em relação ao ambiente?
Em síntese, as questões perpassam a materialidade na medida em que o que visamos na análise do corpus é compreender os sentidos, os gestos de significação do real que constitui uma territorialidade.
 
Ata de Fundação de Cuiabá
 
Aos oito dias do mês de Abril da era de mil setecentos e dezenove anos neste Arraial do Cuiabá fez junta o Capitão Mór Pascoal Moreira Cabral com os seus companheiros e ele requereu a eles este termo de certidão para notícia do descobrimento novo que achamos no ribeirão do Coxipó invocação de Nossa Senhora da Penha de França depois de que foi o nosso enviado o Capitão Antônio Antunes com as amostras que levou do ouro ao Senhor General com a petição do dito capitão Mor fez a primeira entrada aonde assistiu um dia e achou pinta de vintém e de dois e de quatro vinténs a meia pataca e a mesma pinta fez na segunda entrada em que assistiu sete dias e todos os seus companheiros às suas custas com grandes perdas e riscos em de sua Real Magestade e como de feito tem perdido oito homens brancos fora negros e para que a todo tempo vá isto a noticia de sua Real Magestade e seus governos para não perderem seus direitos e por assim por ser verdade nós assinamos todos neste termo o qual eu passei bem e finalmente a fé de meu oficio como escrivão deste Arraial. (...) No mesmo dia e ano atrás nomeado elegeu o povo em voz alta o Capitão Mòr Pascoal Moreira Cabral por seu guarda mor regente até ordem do senhor General para poder guardar todos os ribeiros de ouro, socavar e examinar e composições aos mineiros e botar bandeiras tanto a minas como nos inimigos bárbaros e visto elegeram ao dito lhe acatarão o respeito que poderá tirar auto contra aqueles que forem régulos com é amotinador e aleves que expulsará e perderá todos os seus direitos e mandará pagar dividas e que nenhum se recolherá até que venha o nosso enviado o Capitão Antonio Antunes de que todos levamos a bem hoje oito de abril de mil setecentos e dezenove anos eu Manoel dos Santos Coimbra escrivão do Arraial que escrevi, Pascoal Moreira Cabral.[14] Grifos nossos.
 
Podemos dizer que a terra em Mato Grosso ganha estatuto de existência pela formulação da Ata, aos 8 dias do mês de abril de mil setecentos e dezenove, com a primeira escrita de um documento oficial, a Ata de Fundação do “Arraial do Cuiabá”.


[14] Ver FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus Municípios (p.37, 2001).