Revista Rua


Mídia e Espaço Público

Guilherme Carrozza

placas instaladas em praças e jardins que enunciam a “adoção” daquele espaço por alguma empresa[1]. São presenças que lembram constantemente os sujeitos na rua sobre instituições privadas que lhes oferecem algo a consumir. Isso, no nosso entendimento, coloca em jogo os sentidos de público e privado, já que novos limites são colocados à mostra nessa relação.
Lewkovicz e Cantarelli, juntamente com o grupo 12, em “Do fragmento à situação” (2003)[2], ao se referirem à rua no momento contemporâneo, colocam-na como “a distância desértica que separa o consumidor de seus objetos de consumo [...] não oferece razões nem sentido para se transitar por ela ao se desvanecer enquanto um espaço público e político” (Lewkovics e Cantarelli, 2006). É certo que os autores partem da afirmação da morte do Estado como pan-instituição doadora de sentido e, nessa linha de pensamento, não sendo mais significada pelo Estado, a rua perde seu sentido enquanto espaço público e político.
Nossa proposta é relativizar essa afirmação. De nosso ponto de vista[3], funcionando como articulador simbólico, o Estado falha, abrindo pontos de deslocamento para outros sentidos. Nesse caso específico, o vazio de que falamos se estrutura no excesso de textos que circulam atualmente na rua. Não se trata, pois, de pensar apenas num tipo de ancoragem simbólica, mas de vários sentidos disponibilizados ao sujeito pela mídia. Daí a idéia de “caos urbano” tão circulante nos tempos atuais. Como diria Orlandi[4], “o não-sentido é insuportável ao sujeito”.
Mas ainda assim não a tomamos como um espaço que separa o consumidor de seus objetos de consumo. Ao contrário, ao serem expostos, os gigantescos anúncios no espaço urbano são capazes de identificar qualquer indivíduo[5] como consumidor. E isso, de alguma forma, é produzir sentidos.
 
A mídia na rua – possibilidades de lugares
Pelas técnicas da publicidade, diremos que mídia é o termo que designa o elemento material que divulga a mensagem[6] (Santanna: 194), no que diz respeito ao seu suporte e


[1] Sobre isso, ler HORTA NUNES, José, “Escrita e subjetivação da cidade”, in A escrita e os escritos, Mariani (org.), 2006.
[2] Tradução ainda não publicada de Maria Onice Payer e Romualdo Dias.
[3] Esta posição se encontra formulada por Orlandi, em seu texto apresentado no CIAD (2008), na cidade de São Carlos. Segundo a autora, o tipo de Estado que funciona hoje é o técnico-administrativo. São, nesse sentido, “três condições que marcam a contemporaneidade: a destituição do Estado Nação como meta-instituição; a instalação de um Estado que se legitima como administrador técnico das novas tendências; e a dinâmica de mercado como prática dominante.” Para a autora, é justamente pela falta que “o Estado existe e exerce seu poder articulador do simbólico com o político” (id.).
[4] Em uma reunião do grupo de estudo “Memória Cultural e Processos de Identificação”, da Universidade do Vale do Sapucaí.
[5] O que chamamos de indivíduo aqui, refere-se já ao efeito de sujeito que resulta de um processo de subjetivação pela ordem do Estado, tal como propõe Orlandi (2001), em sua construção teórica. Segundo a autora, o indivíduo social resultante desse processo não coincide com o indivíduo bio-psico, já que é um efeito produzido pelo funcionamento de uma forma-sujeito-histórica capitalista.
[6] O termo “mensagem” é aqui utilizado por se tratar de uma definição que vem das teorias de comunicação e que tem estreita relação com o código (sobre isso, ler Gomes, 2001: 36-39). Nessa perspectiva, pensa-se a mensagem como um conteúdo dizível através de um código (no nosso caso, o lingüístico). Essa operação supõe a existência de um emissor e um receptor e ainda um domínio da língua como instrumento, posição da qual discordamos. No nosso ponto de vista, é o imbricamento entre a memória do dizer, o político e a ideologia que torna possível o sentido.