Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

tateamento, o desejo de controle dos sentidos. No caso, o desejo de dicionarização dos sentidos: como parte da língua que nos instrumentos linguísticos não comparece.
O segundo eixo é o das palavras não dicionarizadas, por exemplo:
(10) (role):Passeio, volta
(11) (zueira): Bagunça
São palavras correntes no cotidiano que, no entanto, não constam do Dicionário de Houaiss. Se por um lado sabemos que os dicionários não acompanham a atualidade da língua em função do tempo que levam para serem feitos, por outro lado, não podemos deixar de observar que aí se verifica, como mostra Nunes (2009), o descompasso entre a língua fluida e a língua imaginária[12]:
 
Enquanto construção imaginária da língua, o dicionário busca fixar seus sentidos e apresentá-los como estabilizados, como representativos da língua e dos falantes. Mas, ao fazer isto, sempre há um resto não contemplado, uma alteridade que lhe escapa (...) (NUNES, 2009, p. 99)
 
Se é constitutivo do dicionário um resto, vale observar que este resto, alteridade não contemplada, é também, seguindo Nunes, fruto de uma divisão, de uma posição discursiva. No caso do livro de Buzzo, o que resta é da posição da periferia. São palavras e sentidos deste lugar que não comparecem nos instrumentos linguísticos legitimados como da língua do Brasil. E esse resto é reivindicado no glossário.
Ainda sobre o segundo eixo – de palavras que não comparecem nos dicionários – é preciso dizer que, embora numericamente o menor em relação aos demais, indica, ainda assim, uma disputa no vocabulário: outras palavras para sentidos já existentes.  Novamente o desacordo entre palavras e sentidos como marca do glossário, ainda que em movimento contrário: para aqueles sentidos não aquelas palavras que se encontram no dicionário, mas outras palavras.
Os dois outros eixos – novas formações na língua e jogos de palavras formadas por alusão a outras palavras – fazem parte de um processo de construção na língua. Observem-se os seguintes exemplos:
 
(12) (responsa): Muito boa.
(13) (nóias): Termo usado nas ruas para usuário de drogas.
(14) (B.O): Vem de “Boletim de Ocorrência”, significa um problema.


[12] “A língua imaginária é aquela que os analistas fixam com suas sistematizações e a língua fluida é aquela que não se deixa imobilizar nas redes de sistemas e fórmulas.” (Orlandi, 1994: 30)