Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

dicionarizados[10], de sentidos outros. Por exemplo, palavras como “colava”, “trampar”, “orelhada”, “paga”, “exibir-se” estão presentes no Houaiss, não com os sentidos lá indicados, mas significando:
 
(5) (colava): Chegava
(6) (trampar): Trabalhar       
(7) (orelhada)[11]: Conversar
(8) (paga): Exibir-se, mostrar-se.
(9) (brisa): Brisa é iguala estar chegando, depois de fumar um baseado.
 
Se o sentido apresentado não é aquele conferido pelo dicionário, isto não impede, contudo, que não seja depreendido do texto. São muitas as biografias, os romances, entre outros gêneros, que contêm palavras desconhecidas a um ou outro leitor. Nem por isso apresentam glossário. Insistimos: por que constituir um glossário? Esta foi a pergunta que moveu este trabalho desde o início e dela decorreu refletir sobre onde incidia o corte. Uma vez observado que se dava somente sobre o léxico e não sobre a sintaxe, debruçamos sobre o que dele se dizia. Isto nos permitiu observar cinco eixos: (i) palavras cujos sentidos não se encontram dicionarizados; (ii) palavras que não comparecem nos dicionários; (iii) novas formações na língua; (iv) jogos de palavras formadas por alusão a outras palavras e (v) palavras cuja grafia é diferente daquela dicionarizada.
O primeiro eixo – palavras cujos sentidos não comparecem nos dicionários – é majoritário. E esses são expostos em sua grande maioria pela sinonímia (casos de 1, 5, 6, 7, 8) ou pela definição (casos de 2, 3, 4, 8 e 9), procedimento menos recorrente. Trata-se, como se pode notar, de uma disputa pelos sentidos, seja pospondo outras palavras no movimento da sinonímia, seja redefinindo palavras já correntes na língua. Isto nos leva a propor que está em jogo no glossário de Buzzo a não-coincidência das palavras consigo mesmas (AUTHIER-REVUZ, 1998, p.25): não-coincidência em que o problema do sentido outro, do excesso ou do equívoco comparece. Uma das figuras deste tipo de não-coincidência, conforme Authier-Revuz, é “não no sentido X, Y”, isto é, uma não-coincidência que marca o não-um do dizer e que denuncia, ao lado do


[10] Foi feita uma busca para cada item lexical no Dicionário de Houaiss.
[11] A marcação é sempre sobre um item lexical, mas o contexto permite observar que por vezes se trata de uma expressão. Foi o caso de orelhada: “dei a maior orelhada neles” (Buzzo, 2008, p. 90)