Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

do discurso científico na definição do verbete. Por outro lado, abundam as sinonímias e variações ortográficas. Em suma, para o povo vai significar a “linguagem do povo” em oposição a um discurso culto. Com isso podemos dizer que o lugar posto como sendo do povo é aquele fora do discurso culto.
 Já os dicionários do povo surgem depois dos anos 70 e diferenciam-se dos grandes dicionários já postos em circulação. Estes, conforme Nunes, são “dicionários parciais que propõem descrever a língua dos sujeitos rurais ou regionais, uma linguagem ‘rústica’ e ‘original’, diferenciada da língua erudita” (Nunes, 2006a, p. 1031, aspas do autor). 
Tentando compreender melhor os três tipos de dicionários, podemos dizer que se o dicionário sobre o povo promove um corte com Portugal trabalhando o nacional, com o dicionário para o povo tem-se a popularização da língua nacional. Já o dicionário do povo, que se inscreve num momento em que o nacional já é não-dito por ser evidente, trabalha em seus verbetes a imagem daquele que seria do povo. E este sujeito do povo que ali se encontra é, consoante Nunes (ib.), o “sujeito rústico”, “homem do campo”, “homem rude”, “sertanejo”.
 Estas três divisões do dicionário popular propostas por Nunes – sobre o povo, para o povo e do povo – ajudam a refletir sobre o funcionamento do glossário do livro de Buzzo. De imediato, cabe observar que este livro encontra-se em outro momento: não mais da legitimação de uma língua nacional, como era o caso dos dicionários sobre o povo, e não mais da oposição urbano/rural, caso dos dicionários do povo. Há uma diferença de ordem social, mas que não funciona como aquela que Nunes explicita como sendo do dicionário para o povo. Nos dicionários para o povo há simetria entre lugar e posição, o que não ocorre no glossário de Buzzo.
Grigolleto (2008), em sua reflexão sobre lugar e posição, irá desdobrar a noção de lugar em lugar social e lugar discursivo, e irá mostrar que lugar social não se confunde com lugar discursivo. O lugar social remete para o interior de uma formação social, considerando as projeções das formações imaginárias. Já lugar discursivo constitui a passagem para o espaço discursivo desses lugares sociais, ou ainda, a materialização na prática discursiva. Não se trata, contudo, de movimentos autônomos e estanques:

(...) tanto o lugar discursivo é efeito do lugar social, quando o lugar social não é construído senão pela prática discursiva, ou seja, pelo efeito do lugar discursivo. Isso significa dizer que ambos, lugar social e lugar discursivo, se constituem mutuamente, de forma complementar, e estão relacionados à ordem de constituição do discurso. Um não é anterior ao outro, já que um