Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

das relações entre sujeitos na sua vida social e histórica”. Se no glossário de Buzzo o recurso à etimologia não é uma prática recorrente, ou seja, se não se trata, como vimos no dicionário para o povo com Nunes, de filiar a língua a uma tradição, a língua tem, no entanto, um lugar linguístico: o da informalidade da gíria. A referência a este lugar se constata no exemplo (17), que inscreve o lugar geográfico: quebrada, periferia: 
 
(17) (quebrada): Geralmente, a gíria é usada para falar de um lugar ou bairro na periferia.
 
A gíria é significada em dicionários, gramáticas e teorias linguísticas como da ordem da variação social. Ela comparece como linguagem popular, informal, marcando falas que seriam tanto da juventude como da marginalidade (entendida como deliquência). É do século XX sua acolhida pela literatura (MARTINS, 2000, p. 89) e isto advém da urbanidade da escrita literária. Em suma, no glossário de Buzzo, o gesto metalinguístico de inscrição do sujeito na língua é o de estar à margem da língua: margem urbana, margem social, margem geográfica.  É deste lugar que se luta e é este lugar que se marca. Da quebrada – verbete que, diferentemente de todos os demais, possui três entradas:
 
(18) (quebrada): Geralmente, a gíria é usada para falar de um lugar ou bairro na periferia.
(19) (quebrada): Rua em que virava.
(20) (quebrada): Neste caso, um lugar derrubado, que não seria qualquer um que iria.
 
Este é o único verbete cuja explicação materializa-se duas posições discursivas – da periferia e da cidade – em funcionamento antagônico. Quebrada em (17) e (18) serve à denominação de um lugar da periferia e de uma rua; inscreve aí a posição da periferia. Em (19), é a posição antagônica – da cidade – que comparece: lugar derrubado, que não seria qualquer um que iria... Quem não iria? Quem lá mora ou quem lá não mora? Ou seja, quebrada retira do não-dito uma oposição silenciada: cidade versus periferia. Portanto, na reformulação do sentido de quebrada em (17 e 18) está em jogo a nomeação de um lugar, a contrapelo, como vimos. Diremos que aí está em jogo a tensão entre as palavras e o real que se pretende capturar no ato de nomeação.  Passemos ao