Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

último eixo, das palavras cuja grafia é diferente daquela dicionarizada. Observem-se os exemplos a seguir:
 
(2) (loka): O mesmo que louca.
(21) (nóis): O mesmo que nós.
(22) (véio): velho. É usado normalmente para chamar os pais.
(23) (homi): Mesmo que homem ou homens.
 
Nos exemplos (2), (20), (21) e (22) temos um dizer outro que passa pela ortografia diferenciada: uma ortografia que lança mão da letra K (loka), que explicita a palatalização com o acréscimo de i (em nóis) e que expõe a redução com a subtração e substituição de outras letras (em véio e homi). Conforme Auroux (2008), os glossários antigos se destinavam a palavras pouco conhecidas e/ou difíceis. O que nos permite dizer que trabalhavam a opacidade do texto e esta opacidade era da ordem da oposição conhecidas/desconhecidas e fácil/difícil. Não é o caso do glossário de Buzzo, como viemos mostrando. Em Buzzo, o que temos é um glossário funcionando como balizas no dizer daquilo que se supõe do um na diferença com o outro. Pontos do não-um (AUTHIER-REVUZ) que passam pelos sentidos, como vimos, e pela oralidade que se quer grafada, que se pretende da ordem da escrita. Grafar “nóis” e indicar em pé de página “o mesmo que nós” retira do lugar do erro o “nóis”. O jogo que aí se inscreve é: “eu sei sua ortografia, mas tenho a minha”. Marca-se no corpo do texto uma ortografia outra e na nota de pé de página explícita a disputa.  Trata-se de trazer a oralidade como marca de alteridade na língua. Como sabemos, a inscrição da oralidade na língua escrita é uma luta recorrente em diferentes momentos da história da língua brasileira; luta que retorna em Buzzo para, agora, marcar o lugar da periferia. É como se dissesse assim: sei que é “nós” ou “louca”, mas do meu lugar é “nóis” e “loka”. Se com Orlandi sabemos “há uma oralidade que nunca se legitimará e que permanece como resistência à escolaridade” (ORLANDI,1994, p. 31), em Buzzo, esta oralidade é resistência à língua do outro, posta como homogênea e modelar.
 
V. A língua merece que se lute por ela: da resistência na língua
 
No texto “Só há causa daquilo que falha”, Pêcheux termina afirmando dois pontos incontornáveis à Análise de Discurso. Um deles, já deveras conhecido pelos