Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

necessita do outro para se instituir. O lugar social só se legitima pela prática discursiva, portanto, pela inscrição do sujeito num lugar discursivo. E o lugar discursivo, por sua vez, só existe discursivamente porque há uma determinação do lugar social que impõe a sua inscrição em determinado discurso. (Grigoletto, 2008, p. 56)
 
Grigoletto explica, por exemplo, que o sujeito jornalista, a partir desse lugar social, pode ocupar o lugar discursivo de jornalista científico – comprometido com a verdade da ciência – ou de jornalístico político – comprometido com o discurso econômico (idem). O que importa destacar é que são categorias teórico-analíticas que permitem perceber disjunções entre lugar social e discursivo. O lugar discursivo, segundo Grigoletto, é constitutivamente heterogêneo, ou seja, pode abrigar diferentes posições discursivas. Por exemplo, o sujeito jornalista no lugar discursivo de editor ou de jornalista científico pode ocupar entre outras posições a posição-sujeito cientista (idem, p. 57).  Tais distinções, que foram importantes para analisar o discurso de divulgação científica, ajudam na análise do glossário de Buzzo. Precisamos, então, falar de sujeito lexicógrafo. 
Nunes, ao tratar dos dicionários, salienta que o lexicógrafo, para o analista de discurso, é uma posição constituída historicamente e não um sujeito empírico (2006, p. 21): posição que o permite e o faz dizer que “uma palavra X significa Y” (idem, p. 22). Em Nunes (2006) não está em jogo a distinção lugar e posição, mas a constituição e o funcionamento dessa posição lexicógrafo.
Posto isto, neste trabalho, lançamos mão da diferenciação proposta por Grigolleto entre lugar discursivo e posição discursiva para pensar a prática discursiva no livro Favela toma conta. Diremos que temos um lugar discursivo de escritor que assume duas posições-sujeito: a posição-sujeito escritor e a posição-sujeito lexicógrafo. É na posição-sujeito escritor que inscreve o fazer biográfico e o de um projeto de hip hop (trata-se da trajetória de Buzzo que resulta no projeto de hip hop chamado “Favela toma conta”, título do livro). É na posição-sujeito lexicógrafo que engendra o glossário. São, então, duas posições-sujeito distintas. É nesta dissimetria, entre lugar discursivo do escritor e posição-sujeito lexicógrafo, que funciona seu glossário, diferentemente dos dicionários sobre o povo, para o povo e do povo.
Estamos, pois, diante do lugar-discursivo escritor dizendo da língua na posição-sujeito lexicógrafo, tal como acontecia com a produção literária brasileira do século XIX, em que José de Alencar, produzia glossários a partir de seus romances (cf. NUNES, 2006a). Ambos engendram glossário a partir do lugar discursivo de escritor,