Revista Rua


Um glossário contemporâneo: a língua merece que se lute por ela
A contemporany glossary: the language that deserves to fight for it

Vanise Gomes de Medeiros

 

 
Não acredita que as línguas se beneficiam de explosões de criatividade?
Explosões de criatividade?
Sim, momentos de intensa exaltação criadora dos seus falantes.
Absurdo. E por que se daria essa exaltação criadora? Como explicar, além disso,
a coerência dos neologismos?
Não sei.
(AGUALUSA, 2010, p. 142)
 
 
Como se chama ao lugar onde dormem as palavras por estrear?
Um “Verbário”?
É para lá que eu vou.
(AGUALUSA, 2010, p. 231)
 
I. O gesto que marca
 
“Para nossa época, a cidade é uma realidade que se impõe com toda sua força”, avisa Orlandi (2004, p. 11). Se somos cada vez mais urbanos[2], urge refletir sobre esta urbanidade. É o nosso caso, em que miramos a língua no espaço urbano, e em que, neste artigo, nos debruçamos sobre práticas linguísticas contemporâneas, uma delas parece ser o glossário em livros de literatura. Por que glossários em pleno século XXI? – é a inquietação que move este trabalho.
Neste artigo o foco recai sobre um livro – Favela toma conta, de Alexandre Buzzo –, no qual tal prática se faz presente[3]. Neste livro, há notas de pé de página que funcionam como glossário. São quarenta e seis itens lexicais indicados no corpo do texto e remetidos para o pé de página a guisa de explicação: palavras marcadas como de um discurso outro; palavras traduzidas para um discurso outro e do outro. É sobre este gesto e sobre estas marcas que buscamos refletir. Trata-se, cabe informar, de um trabalho que se insere na História das Ideias Linguísticas (Auroux) em consonância com o aparato teórico da análise de discurso (Pêcheux, Orlandi).
 
 
 


[2] De acordo com Davis (2006), a população urbana em breve seria mais numerosa que a rural. Isto já aconteceu. Foi noticiado em jornais televisivos em janeiro de 2012 que a população mundial urbana havia ultrapassado a rural. Cabe acrescentar ainda que a “população rural não precisa mais migrar para a cidade; a cidade migra até eles” (Davis, 2006, p.18), isto é, que a urbanidade se faz significar também na área rural.
[3] Não é, no entanto, o único; por exemplo, também lançado em 2008 e também contando com um glossário, temos, por exemplo, Saga Lusa, de Adriana Calcanhoto.