Revista Rua


Denominação: um percurso de sentidos entre espaços e sujeitos
Denomination: a course of senses among places and subjects

Greciely Cristina da Costa

uma virada na representação política da favela. O reconhecimento e a promoção dos moradores das favelas ao estatuto de comunidade e, por conseguinte, a sujeito político potencialmente autônomo, tanto rompia com uma visão puramente negativa do mal a ser erradicado quanto com a política de assistência caritativa e clientelista do período anterior (2008: p. 78).
 
É interessante observar a textualização, no relato da socióloga, de uma suposta mudança da representação da favela ligada à construção de uma representação política e a ideia de defesa possível a partir dessa representação. É a partir desse discurso que o nome comunidade surge significando a possibilidade de o sujeito-morador da favela tornar-se sujeito-político-autônomo. O que significa essa configuração pensada na relação com o espaço e com o Estado?
Quanto a Lebret, um dos fundadores do movimento Économie et Humanisme, na França, passava a exercer, neste mesmo período, grande influência nas primeiras pesquisas de campo realizadas nas favelas. Naquela época, o sociólogo trazia para o Brasil propostas para o desenvolvimento da pesquisa de campo, que consistiam na:
 
elaboração de um conhecimento científico da economia humana a partir da cidade, do bairro e das associações locais;
construção de instrumentos de pesquisa ao mesmo tempo monográficos e estatísticos, apoiados em uma nomenclatura dos fatos sociais;
afirmação de uma ética fundamentada em uma comunidade de base: a família, o grupo profissional, a vizinhança ou o bairro;
intenção de desempenhar o papel de ‘intermediário’ entre um Estado burocrático e uma população sem representantes (ASTIER & LAÉ, 1991: p. 83 apud. VALLADARES, 2008: p. 84).
 
 
Segundo Valladares são essas as bases que marcaram o desenvolvimento de pesquisas científicas nas favelas (um deles o relatório da SAGMACS) e são elas também bases para a reivindicação das favelas por direito à representação política. Para a autora, as pesquisas empreendidas, naquele momento, contribuem para a redescoberta das favelas antes vistas de maneira muito negativa, estereotipada[6] e para "a valorização


[6]A partir da formação de um espaço marcado pela ausência de propriedade privada do solo, de instituições públicas, sem acesso aos serviços públicos e sem a intervenção do Estado, um processo de criminalização da favela é posto em prática e se estende à criminalização do favelado. A favela cresceu aceleradamente e por alguns anos passou despercebida (ou ignorada) pelo poder público. Ou seja, se constitui na falta do Estado. No entanto, ao ganhar visibilidade no cenário carioca, logo foi dita sem lei e desse dizer se desencadearam outros muitos: fonte de doenças, de imoralidade, de desordem, de promiscuidade, de criminalidade... Uma série de atributos negativos que se estendeu aos seus moradores, uma vez que qualquer um que more na favela foi/é significado a partir dessa série de significações atribuídas a ela. A construção dessa imagem, principalmente, a opôs/opõe, a separa, a segrega da cidade, a dita maravilhosa. Os favelados tornam-se favelados pela ocupação ilegal de uma propriedade, ditos a partir de então como: subversivos, marginais, promíscuos, doentes, preguiçosos, vagabundos, perigosos, desordeiros, imorais. Em nossa pesquisa, apontamos um processo discursivo, cujo efeito produzido é de metonimização, efeito ideológico que reside no significante favelado em sua relação com a favela.