Revista Rua


Denominação: um percurso de sentidos entre espaços e sujeitos
Denomination: a course of senses among places and subjects

Greciely Cristina da Costa

sentido não é transparente, é opaco, resultante de uma tensão que atravessa a relação entre sujeito e espaço, na história.
Agora, vejamos como a relação equívoca entre as denominações comunidade, bairro e favela se discursiviza no discurso de moradores do Rio de Janeiro.
 
Discurso de Moradores
 
Através de recortes da entrevista realizada em 2008 e de um enunciado retirado de um trabalho sobre a favela do Acari, vejamos quais são as relações estabelecidas entre as denominações favela, bairro e comunidade no processo de significação do espaço.
É importante lembrar que os entrevistados são moradores de áreas dominadas pela milícia, ou moradores de áreas próximas, ou ainda de sujeitos que trabalham nesses locais.
 
E2: Eu moro na comunidade... porque eu moro em São João de Meriti, no município de São João de Meriti e lá não é uma comunidade, porque hoje eles tratam de comunidade, as favelas né. Porque depois do Brizola, passaram a chamar as favelas de comunidade. Mas pra mim, eu acredito que toda reunião de moradores, de ruas são uma comunidade, mas pela questão do meu trabalho eu vivo dentro das comunidades. Por ser pastor evangélico, e também por ser do Conselho de Saúde do Município.
 
            Nesse primeiro fragmento, a cidade São João de Meriti é inicialmente identificada como comunidade, mas não como favela. O sentido recortado do interdiscurso para comunidade, e não para comunidade enquanto favela, é aquele da reunião de moradores e de ruas. Esse fragmento já aponta para a equivocidade que atravessa essas denominações. De um lado, comunidade é negada enquanto favela, enquanto denominação do espaço desse sujeito. Por outro, é dita sinônimo de favela. Mas, o sentido que as diferencia fica diluído. “E: Numa comparação assim o senhor deve conhecer alguém que more em área de risco, favela?”
            Já, nesse caso, favela dá nome à área de risco. Com efeito, esse sentido remete ao imaginário social de favela que, ao longo dos anos, se construiu, resultante da união de diferentes discursos que a condenaram como lugar de criminalidade, de perigo. E a condenação do espaço incide sobre o morador, como vimos anteriormente. E ainda, da favela enquanto comunidade" (p.74). Nesta conjuntura, essa denominação estava ligada à configuração de família enquanto célula fundamental e da vizinhança como uma garantia de coesão social (VALLADARES, 2008) da comunidade.
De nossa perspectiva, um dos efeitos de sentido produzido por essa política parece ser o de buscar a negação de dizeres estereotipados sobre os moradores das favelas, sobre esse espaço. No entanto, discursivamente, a substituição lexical (de favela para comunidade) ao dar visibilidade, ou acentuar esse efeito de negação, parece, também, dar visibilidade a uma população irreconhecida pelo Estado, estranha à cidade e que está à margem da sociedade reconhecida pelo Estado, ou seja, reafirma que ela está em outro lugar. Parece afirmar a segregação. Parece afirmar, ainda, o que Touraine (1991) chama de sociedade de segregação, caracterizada pela ruptura entre o fora e o dentro (p. 171), ou melhor, pela "passagem de uma sociedade vertical, que nós habitualmente chamamos de sociedade de classes [alta e baixa] para uma sociedade horizontal, na qual o importante é saber se se está no centro ou na periferia" (p. 166 - tradução nossa). Nesta direção, denominar favela de comunidade é ressaltar a diferença entre ela e a sociedade, e remetê-la aos seus já-ditos. Dar o nome de comunidade à favela significa, a princípio, deslocar a imagem estereotipada de favela e tentar consolidar uma política de reivindicação para aquele espaço, que visava, segundo Valladares (2008), a promoção do autodesenvolvimento, a autonomia e capacidade de liderança dos moradores. Dessa política emergiu a ideia de comunidade que abarcava e reunia os indivíduos em torno de uma representação coletiva. Como resultado da Cruzada e dessas propostas, surgiram as primeiras associações de moradores. 
Por outro lado, essa denominação marca a instauração do comunitarismo que emerge quando o Estado falta/falha. Visto por Touraine (2007), o comunitarismo é oposto à cidadania, "definido em sentido estrito pelo poder dos dirigentes da comunidade de impor práticas e interditos a seus membros. O que limita o direito cívico dos homens e mulheres envolvidos" (p 170), submetendo-os a restrições internas, contribuindo para a negação de direitos que afeta os moradores de favelas até hoje.
Observamos, portanto, que a denominação comunidade tem seu sentido dividido, especialmente, quando relacionado a esse espaço específico da favela. Seu