Revista Rua


O Invisível em La Ciudad Ausente
(The Invisible in The Absent City)

Livia Grotto

A obra adquire a dupla função de narrar e de ser o que narra. Uma vez produzido, o relato da máquina se materializa no museu e Junior pode ver a lupa, o anel, a rosa azul. As palavras se tornam coisas palpáveis ou, pelo menos, visíveis. A ficção torna-se realidade porque está contida no possível, porque as histórias redesenham a cidade, formando constelações de sentido, emaranhados de relações cada vez mais complexas. O funcionamento irregular, além disso, faz com que a máquina descortine seu processo narrativo. O artifício se torna o jogo da ficção e, por vezes, o “como narrar” passa a interessar mais do que o “assunto” narrado.
 
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Assim que Fuyita entra na trama, outra história da máquina se acrescenta, dentro de um envelope marrom. “Qualquer novo personagem significa uma nova intriga. Estamos no reino dos homens-narrativa”. É o que explica Todorov a respeito de As Mil e Uma Noites, exemplo de narrativa a-psicológica, pois na proposição “X vê Y” a relevância estaria em Y. Apesar do foco em La ciudad ausente não recair em nenhuma das variáveis, a descrição de como as intrigas de Scherazade se transformam em outras pode ser aproximada do romance de Piglia. “Uma segunda história é englobada na primeira”, continua Todorov, e “a este procedimento chama-se encaixe” (TODOROV, 1979: 85). A forma mais marcante do encaixe em As Mil e Uma Noites seria a dos homens-narrativa. Narrar, para Sherazade, faz avançar a ação e preservar a vida. Elena, por outro lado, conta porque reviveu e contará para sempre porque é máquina e porque é a “Eterna” de Macedonio.
Em La ciudad ausente, as histórias encaixadas servem para ilustrar os relatos produzidos por Elena e os passos da investigação de Junior. Além da máquina, são muitos os “homens-narrativa”: Junior, Emilio Renzi, Lucía, Arana, Grete, Reyes, Ana Lidia, Russo, Livia Anna, Carola Lugo, Lugones filho, Perón... Desse procedimento das narrativas que avançam com o fim de desnudar a narrativa anterior, resulta sublinhado o aspecto relativo do mundo visível, explicado através de encadeamentos que parecem aleatórios. Ganha força a multiplicação de dispositivos destinados a modificar o que se pressupõe verdadeiro. Transfigura-se o narrado, tornando o delírio paranóico, realidade.
Fuyita entrega a Junior, dentro do envelope marrom, um dos relatos da máquina. Estes ora se apresentam gravados, como se a voz de Elena soasse (“La grabación”), ora como um texto escrito, talvez transcrito, como “Los nudos blancos”, entregue por