Revista Rua


O Invisível em La Ciudad Ausente
(The Invisible in The Absent City)

Livia Grotto

fundamental para o romance de Piglia, cujo trajeto agregaria os dois lugares como partes que edificariam a cidade.
 
* * *
 
Incomuns nos outros textos de Piglia, os animais se fazem presentes de maneira inusitada, num romance cujo cenário é sobretudo a cidade de Buenos Aires. Ora são motivo de pequenos relatos ou observações (como o gato do Hotel Majestic ou o bezerro de “El gaucho invisible”), ora reportam uma situação (os urubus em “La grabación”, sobrevoando os campos onde há poços mal tapados em que estão amontoadas pessoas exterminadas), ora são usados para experimentos (tartarugas, golfinhos), ora aparecem para explicitar o caráter das personagens.
Os animais se juntam à história como parte do repertório de elementos da máquina. Os relatos produzidos por ela entrecortam a narrativa, e são inicialmente intitulados – “La grabación”, “El gaucho invisible”, “Una mujer”, “Primer amor”, “La nena”, “Los nudos blancos”. Depois, aparecem após uma linha em branco, iguais àquelas que anteriormente separavam o texto para indicar uma mudança de perspectiva ou de assunto. Passa-se, então, da alternância entre a história onisciente do romance e os relatos geralmente em terceira pessoa da máquina, para o cruzamento das duas narrativas. Duplicação formal do texto, que recobriria uma outra, a da memória de Elena, em que duas zonas se confundem: a de suas lembranças pessoais – a infância, o namoro, o casamento com Macedonio Fernández, os filhos, a enfermidade, a experiência prévia à morte – e a memória da cidade, na qual se transforma parcialmente.
Os bichos, mais próximos da memória impessoal de Elena, em algumas ocasiões são descritos pelo olhar. Assim, em “El gaucho invisible”, a máquina reproduz o episódio de afogamento de um bezerro, cuja vida Burgos, um tropeiro infeliz porque passa sempre despercebido entre os companheiros mais experientes, tenta inicialmente salvar. Os homens prestam atenção em Burgos apenas durante o resgate, que aos poucos se converte em tortura, uma vez que desse modo o tropeirinho capta olhares. Enquanto os olhos dos outros enxergam, os do animal estão brancos diante do terror do afogamento: “El animal boqueaba en el barro, con los ojos blancos de terror. Entonces uno de los paisanos se largó del caballo y lo degolló de un tajo”. (PIGLIA, 1995: 48)
 
* * *