Revista Rua


O Invisível em La Ciudad Ausente
(The Invisible in The Absent City)

Livia Grotto

Tesouro de Robert Louis Stevenson ou Robinson Crusoé de Daniel Defoe. Por outro lado, os relógios, dobradiças, cabos, tubos, engenhocas, pássaros mecânicos, rosas de cobre e demais aparatos; os experimentos com Elena e com animais, além da descrição de mundos paralelos como a ilha, a clínica de Arana e o “mayor centro de documentación y de reproducciones del museo de la novela” (PIGLIA, 1995: 108), aproximam o romance da ficção científica de H. G. Wells, A Ilha do dr. Moreau e A Máquina do Tempo, de Villiers d’Isle-Adam e seu A Eva futura; também de textos utópicos que propõem outra organização social. Por causa da adjetivação que altera negativamente o título ou pelo menos lhe confere anormalidade, sugere-se uma utopia negativa, semelhante à vigilância implacável narrada por George Orwell em 1984. Característica, aliás, dos outros dípticos de Piglia: além da cidade que está ou é ausente, a respiração embora artificial, o nome falso, a prisão perpétua, o dinheiro ainda que queimado. Mundos de pesadelo, como o de Elena, condenada a não parar de contar histórias, sobretudo a respeito da violência invisível que constrói a “cidade ausente”. Essa mulher-máquina é a única capaz de preencher um arquivo sobre a cidade.
O romance representa o ápice de uma hibridez de gêneros, mostrando-se até o momento como a trama mais indiscernível elaborada por Piglia. Soma-se ao convite das diversas leituras, a confusão entre o narrador do romance e os narradores da máquina. Há uma diluição da figura daquele que narra, cuja voz é permanentemente emprestada a outros, como o faz a máquina em inúmeras ocasiões. Tal qual assinalaria Paul Ricœur (1995), em suas considerações sobre o romance polifônico de James Joyce, desaparece a consciência autoral única. Por meio das vozes fragmentadas, o sentido desliza. Há interferências entre as histórias de cada personagem, há julgamentos feitos com os critérios de um, quando, na verdade, fazem referência a outro. Os olhos de Junior, por exemplo, “como pequeñas cámaras clandestinas, fotografiaron al instante el movimiento del auto que acababa de detenerse en la entrada de uno de los andenes para descargar los diarios de la mañana” (PIGLIA, 1995: 91). Controle automático, como se esperaria de uma máquina como Elena.
 
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A narrativa onisciente é interrompida quando a mulher-máquina de La ciudad ausente se encontra trancada num museu. É para dar lugar a um último murmúrio solitário. Quem narra é a alma/memória de Elena, recriada por Russo, especialista em