Revista Rua


O Invisível em La Ciudad Ausente
(The Invisible in The Absent City)

Livia Grotto

Em La ciudad ausente confirma-se a apropriação iniciada a partir de Nombre falso e Prisión perpetua. São os espaços urbanos e obscuros, que se tornarão próprios da ficção de Ricardo Piglia: a Buenos Aires dos hoteizinhos baratos e das pensões velhas, dos bares e cafés onde se alinham conversas no limite da contestação e da loucura, dos pontos de ônibus, das estações ferroviárias, dos metrôs, das ruas movimentadas do centro onde se vendem livros usados, das pequenas oficinas de reparo. Também algumas personagens são resultado dessa apropriação. Os inventores de engenhocas, jornalistas, engenheiros, professores e filósofos, todos eles profissionais desvalorizados em virtude de seus gênios desviantes; marginalizados de diversas escalas, como ladrõezinhos, traficantes, gângsteres, assassinos, drogados; as mulheres prostitutas, amantes, loucas – encerradas num universo próprio que intui com mais clareza o que se passa no exterior – fortes o suficiente para denunciar e frágeis o bastante para sofrer as conseqüências mais drásticas. Cenários e personagens que, em princípio, ordenam a estrutura típica do romance negro, fornecendo às obras de Piglia certa unidade.
Nesse romance, no entanto, uma pergunta se reitera durante a leitura: qual a convenção instalada? O conteúdo de representação realista, reforçado pela linguagem coloquial e o uso do "voseo" argentino, a alusão a bares, ruas e edifícios, configuram cenas reconhecíveis como reais, mas delas se desprendem elementos estranhos e oníricos, que perturbam esse registro. O fantástico insinua-se, quando aparecem animais, alucinações, drogas, loucos, mulheres-máquina como Elena e Anna Livia Plurabelle, crianças às voltas com simpatias ou funcionando como um ventilador. Rastro do fantástico, a morte também ronda, na figura de Elena morta-viva, nos poços com restos mortais, no bezerro de olhos brancos antes da degola, no cemitério de antigas tribos embaixo de uma casa, no suicídio de um dos primeiros habitantes de uma ilha, Jim Nolan, personagem tomada do Ulisses de James Joyce. Imagens que sucedem com a leveza e a gratuidade onírica: sem justificativas. Espécie de arquivo como modelo narrativo, segundo os parâmetros descritos pelo autor: "(...) el archivo como modelo de relato, la tensión entre materiales diferentes que conviven anudados por un centro que justamente es lo que hay que reconstruir. Es una especie de novela policial al revés, están todos los datos pero no se termina de saber cuál es el enigma que se puede descifrar." (2000a: 98)
O percurso de La ciudad ausente por diversos gêneros não se encerra no fantástico. As viagens de Junior no início do texto, assim como a ilha cujo caminho se conhece através de um mapa, retomam a tradição do romance de aventuras: A Ilha do