Revista Rua


Maquinaria da privacidade
Machinery of privacy

Marta Mourão Kanashiro, Fernanda Glória Bruno, Rafael de Almeida Evangelista e Rodrigo José Firmino

disponibilizados em redes sociais (como Facebook). Tais dados pessoais voluntariamente publicizados geram uma segunda camada de dados que podem ou não conter meios de identificação dos indivíduos que os geraram. Agregados em bancos de dados e submetidos a técnicas de mineração e profiling, tais dados geram mapas e perfis de consumo, interesse, comportamento, sociabilidade, preferências políticas que podem ser usados para os mais diversos fins, do marketing à administração pública ou privada, da indústria do entretenimento à indústria da segurança, entre outros. Neste caso, o controle do indivíduo sobre os seus próprios dados é bem menos evidente e para Bruno (2010), a noção de privacidade (nos seus termos jurídicos) não dá conta da complexidade das questões sociais, políticas e cognitivas envolvidas.
Bruno (2010) nos lembra que Mark Zuckerberg fundador do Facebook fez uma declaração em 2010 afirmando o fim da privacidade (KIRKPATRICK, 2010) que ecoava uma afirmação muito similar, pronunciada pelo deputado Donald Kerr, oficial da inteligência estadunidense do governo George W. Bush. O oficial clamava por uma redefinição da privacidade e argumentava que as novas gerações das redes sociais já não a entendiam segundo "velhos termos", uma vez que expunham voluntariamente suas vidas online.
Notar neste texto, a proximidade entre propriedade, uso e acesso a dados com a noção de privacidade não significa referendar a redefinição de privacidade, tal como colocadas por Kerr e Zuckerberg, nem de afirmar o fim da privacidade, mas sim, buscar apontar o que esse panorama está produzindo seja no sentido de deslocamento de sentido (significado ou rumo) ou da produção de práticas e saberes.
Não se trata de afirmar que privacidade existe ou deixou se existir, mas de compreender os discursos, forças e práticas que hoje disputam pelo sentido, valor e experiência da privacidade. Essa disputa é especialmente sensível no campo das redes de comunicação distribuída, como a internet. Assim, é preciso entrecruzar a disputa em torno da privacidade e as disputas políticas, econômicas, sociais, cognitivas e estéticas que se travam no âmbito dessas redes, de seus "bens" materiais e imateriais, de seus modelos de comunicação, circulação e produção de informação, conhecimento, cultura.
Em consonância com Bruno (2010), notamos que as mesmas empresas (como o Facebook) que clamam pela redução da privacidade dos seus usuários (uma vez que essa suposta redução é um dos atrativos de seus negócios) reivindicam fervorosamente a sua própria privacidade quando são inquiridas acerca dos usos que fazem da massa de dados pessoais que capturam. É nesses bancos de dados que residem as verdadeiras moedas de seus negócios, suas atividades (e poder de ação), dados pessoais, limites e definições de privacidade (dos usuários e da própria empresa).