Revista Rua


Maquinaria da privacidade
Machinery of privacy

Marta Mourão Kanashiro, Fernanda Glória Bruno, Rafael de Almeida Evangelista e Rodrigo José Firmino

afinidade) entre pelo menos dois elementos, que depois diferenciam tipos de indivíduos ou grupos. Esses tipos correspondem a perfis computacionais gerados pelo mecanismo designado profiling. A geração de perfis segue uma lógica indutiva que visa “determinar indicadores de características e/ou padrões de comportamento que são relacionados à ocorrência de certos comportamentos” (BENNETT, 1996). Os padrões e regularidades daí extraídos permitem visualizar domínios com certa homogeneidade interna e fronteiras externas – de interesses, comportamentos, traços psicológicos – que de outro modo ficariam indefinidos ou fora do nosso campo de atenção.
Com Kanashiro (2001), observamos que aos olhos dessas outras máquinas e dos saberes atuais, não há exatamente o indivíduo das disciplinas, mas dados que a cada cruzamento fazem surgir um indivíduo fugidio para uma situação, uma autenticação, um acesso, uma transação comercial e que logo se dilui e se reconstrói em outra situação. Aquela figura que se formou a partir de determinados cruzamentos de dados e foi impedida de viajar, porque era potencialmente um terrorista, pode diluir-se para depois conformar uma figura que é entendida por determinados órgãos como um ótimo consumidor de alguns produtos, cursos de língua, ou livros, ou potencialmente portador de uma doença genética.
As classificações movem-se conforme os cruzamentos de informações, que podem surgir e ressurgir de infinitos arranjos, tantos que nem a taxonomia fabulosa de Borges (FOUCAULT, 2000) pode imaginar, porque ela não é fixa em categorias, ela é recombinação permanente. Classificações são estabelecidas como possibilidades infinitas, já que oriundas dos processos de recombinação de informações. O humano aparece agora deslocado de sua função de decidir sobre quem é perigoso, doente, beneficiário ou bom consumidor e passa a ensinar e aprender em seu acoplamento com as máquinas essa decisão, porque o trabalho de cruzamento de dados na atual sociedade é inerentemente inumano. O processo automatizado tem a figura humana, o técnico, a ensinar-lhe padrões de reconhecimento, ou seja, que características somadas resultam nessa figura fugidia. (KANASHIRO, 2011)
Recentemente, a Google foi acusada coletivamente (RUSHE, 2013) por usuários de seu serviço de e-mails, o Gmail, de não respeitar a privacidade, o que o grupo identificou a partir de propagandas presentes em suas caixas postais vinculadas a informações internas das mensagens de e-mails. Sob ação judicial movida por esses usuários, a empresa respondeu que os usuários de e-mail deveriam esperar que seus e-mails sejam sujeitos a processamento automático de análise, já que isso estava expresso