Revista Rua


Maquinaria da privacidade
Machinery of privacy

Marta Mourão Kanashiro, Fernanda Glória Bruno, Rafael de Almeida Evangelista e Rodrigo José Firmino

Uma das promessas do big data envolve, inclusive, a promessa de revelação de correlações entre dados jamais imaginadas tanto por aqueles que os geram quanto por aqueles que os capturam (BRUNO, 2012). No campo do ativismo pela proteção à privacidade no campo das tecnologias e redes de comunicação contemporâneas, os recentes “Princípios internacionais sobre a aplicação dos direitos humanos na vigilância das comunicações” mostram-se atentos a estas múltiplas camadas de dados geradas pelas ações dos usuários de plataformas, dispositivos e redes digitais, bem como a suas possibilidades de recombinação, mas voltam-se muito mais a possibilidade de monitoramento por parte do Estado. Ainda assim, consideram que “toda informação que inclua, reflita, derive de ou seja sobre as comunicações de uma pessoa e que não seja imediatamente disponível e facilmente acessível pelo público em geral deve ser considerada como “informação protegida”, devendo receber adequadamente a mais alta proteção legal.” Ainda segundo os referidos Princípios:
 
“Embora exista desde muito um consenso no sentido de que o conteúdo das comunicações merece proteção significativa por parte da lei devido à sua capacidade de revelar informações sensíveis, é agora claro que outras informações extraídas das comunicações – metadados e outras formas de dados sem conteúdo – podem revelar ainda mais sobre uma pessoa do que o próprio conteúdo, e assim merecem proteção equivalente. Hoje, cada um desses tipos de informação pode, sozinho ou analisado coletivamente, revelar a identidade de uma pessoa, comportamento, associações da qual faz parte, condições físicas ou de saúde, raça, cor, orientação sexual, nacionalidade ou pontos de vista; ou permitir o mapeamento de sua localização, movimento e interações ao longo do tempo, [8], ou mesmo de todas as pessoas de uma certa localidade, incluindo manifestações públicas ou outro evento político”.
 
Da mesma forma, não se observa que há vários níveis de informação ou de dados, que ultrapassam muito questões individuais. No caso das organizações, há uma preocupação geral com relação ao Estado e as informações que podem ser coletadas, armazenadas e trocadas, mais do que com as possibilidades que as corporações têm de realizar esses procedimentos. Neste caso, não se observa tanto os níveis de conexão e de relações entre Estado e corporações, como nos revelam os casos supramencionados do TSE-Serasa e Programa Prisma[14].


[14] Pelo menos três casos recentes enfatizam elementos importantes do que visam as possibilidades de coletas, armazenamento e troca de dados (criação de bancos de dados sobre a população) entre governos e corporações: 1) as evidências de que o governo brasileiro e as empresas como a Petrobrás têm sido sistematicamente alvo de programas de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) apontando o uso estratégico e econômico dessa prática; 2) a expansão do uso de tecnologias e práticas de vigilância a fim de responder aos padrões internacionais exigidos pelos megaeventos esportivos que ocorrerão nos próximos anos – Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016); e 3) casos recentes de monitoramento, vigilância e criminalização, pelos governos estaduais no Brasil, dos participantes de protestos políticos iniciados em junho de 2013 no país.