Revista Rua


Maquinaria da privacidade
Machinery of privacy

Marta Mourão Kanashiro, Fernanda Glória Bruno, Rafael de Almeida Evangelista e Rodrigo José Firmino

A expressão "invasão de privacidade" ganha, constantemente, novos contornos para se conformar a atividades cada vez mais comuns e inseridas na prática velada e mercadológica da exploração de dados e redes pessoais. A ausência de marcos legais e do debate público sobre esses limites, tende a aumentar o risco para que essas redefinições sejam cada vez e mais facilmente ditadas por interesses privados, a partir dos quais os dados pessoais transformam-se em mercadoria informacional e imaterial de difícil compreensão e com fronteiras de acesso e uso deliberadamente vagas e complexas.
Apesar disso, há movimentos globais levados a cabo por organizações como Electronic Frontier Foundation, Privacy International, dentre outros, que se colocam resistentes diante das possibilidades de invasão de privacidade. A privacidade proclamada por esses grupos muitas vezes ecoou uma noção moderna, aquela transgredida pelo olhar que imiscuia-se pela fresta da parede ou pelo buraco da fechadura.
Este eco fica ainda mais claro nas reclamações de privacidade por parte de usuários, por exemplo, do Facebook em suas páginas pessoais ou preocupações de usuários de redes sociais ou o caso da supracitada ação coletiva movida contra o Google. Em grande parte das vezes, há uma exposição de informações da vida cotidiana e uma preocupação com alguém bisbilhotando essas informações. Neste segundo caso, ainda mais do que no primeiro, não se percebe que não há simplesmente um indivíduo sendo vigiado ou monitorado, já que se trata da big data. Afinal, como já apontamos, empresas como Facebook e Google, por exemplo, alimentam-se dos dados pessoais de seus usuários, dos seus metadados e de todas as atividades que eles realizam em suas plataformas.
Uma vez nelas, tudo o que se faz e se diz torna-se possibilidade de uso e troca, e geração de valor e ativos para essas empresas. O valor econômico e cognitivo desses dados, como já vimos, não consiste apenas no fato de estarem atrelados a indivíduos particulares e identificáveis, mas à possibilidade de recombiná-los para os mais diferentes fins: publicidade direcionada, montagem de perfis de intenção de voto em campanhas eleitorais, projeção de perfis de periculosidade ou criminalidade de indivíduos e grupos, otimização dos próprios serviços oferecidos por estas plataformas etc.