Não há nos grandes meios de comunicação construções jornalísticas que levem em conta toda esta representação a respeito da violência no próprio morro do Rio de Janeiro. E aí está uma das grandes contribuições da Análise do Discurso, que deve observar os modos de construção do imaginário necessário para concretizar a produção de sentidos. Por não negar a eficácia material do imaginário, a análise torna visíveis os processos de construção de um sentido que, ainda que imaginário, é necessário e indica os modos de existência e de relação com o múltiplo. Sabe-se que essa dispersão dos sentidos e do sujeito é a condição de existência do discurso, mas para que ele funcione, ele toma a aparência da unidade
Um dia, o Poder Público apareceu na favela e apresentou o plano ao diretor da Escola de Samba local. O prefeito César Maia queria implantar uma experiência inédita em várias comunidades: cursos de dança, de DJs, de coreografia para funkeiros. Por interferência de Manoel, representante do poder público, Vigário Geral e Parada de Lucas foram incluídos no projeto. Ari da Ilha não fora avisado antes e, quando os três homens da prefeitura lhe explicaram o plano, ele disse:
- Tá bom, vou consultar o Homem e depois dou a resposta.
Por inabilidade ou desinformação, os funcionários públicos se impacientaram:
- Que homem?! O prefeito já autorizou o plano.
Seu Ari olhou para os três, e dessa vez falou pausado, ele que fala aos trambolhões:
- O prefeito de vocês é um; o meu é outro. (VENTURA, 1995, 175).
Outro aspecto deste código de ética foi percebido logo por Zuenir Ventura quando esqueceu o carro aberto no morro e um morador pediu que ele ficasse tranqüilo porque ali ninguém roubava. Durante a entrevista com Flávio Negrão trouxe esse episódio para a conversa e este foi categórico em dizer:
[...] - Ninguém mexe não. Da localidade, ninguém mexe. E de fora também não. Porque eles sabem como é que a gente é. Tem umas duas semanas roubaram da minha Kombi. Mas quem que foi? Foi polícia que robou, o vigia viu. Quebraram o vidro e apanharam o rádio. O pobrema é a polícia. (VENTURA, 1995, p. 206).
Há uma série de efeitos de sentido aí trabalhando, todos silenciados pelo discurso dominante nos meios de comunicação. Falar em efeitos de sentido, aliás, é aceitar que está sempre neste jogo, na relação destas diferentes formações discursivas (retiradas do silêncio pelo trabalho dos livros-reportagem), na relação entre diferentes sentidos. Quando se diz ‘x’, o não-dito ‘y’ permanece como uma relação de sentido, ou seja, a formação discursiva produzida pela grande mídia implica uma outra, ausente, mas explicitada no livro de Zuenir Ventura.
Abusado